segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Caçando colibris






Demorou esta carta para chegar, não é? Ficou esperando muito tempo? Hoje fui visitar a uma amiga de décadas. Ela me ensinou um ponto de bordado, a mim, que só sei ler, escrever e ensinar! Achei bem interessante.
Eu pus asas na carta de ontem, para que você não tenha dúvidas sobre a quem elas são endereçadas. Receba com carinho cada uma.
Não costumo falar sobre o porquê de eu ser católica. Até porque as pessoas não perguntam. Eu vejo uma interrogação bem grande estampada no rosto daqueles que acabo de conhecer, quando comento que irei à missa, ou quando apareço com uma camiseta com alguma conotação cristã. Eu entendo. Tenho um amigo que não se preocupa em disfarçar seu desprezo, desde a sua indignação com os cristãos quando assistimos a Hipátia ou quando ele assistiu  ao filme Lutero na faculdade. Tão tolinho, eu pensava, nessas ocasiões, ele não teve aulas decentes de História. A coisa foi beeeeem pior.
Já confesso a você que me envergonho pelo menos uma vez por semana com o passado das religiões, com sua capacidade para matar, roubar, mentir, corromper, iludir, destruir, tudo e sempre em nome de Deus. Mas então me lembro que esse comportamento pertence a todas as instituições humanas. Aponte uma organização humana que não tenha incorrido nessas atrocidades. Não posso culpar ao Ser Supremo pela corrupção dos seus filhos, não posso confundir Deus com as Igrejas, ou a religiões. Deus é o Supremo Bem, a Suprema Beleza, a Suprema Perfeição, o Supremo Amor. As Igrejas e as religiões são manifestações humanas e como tais, imperfeitas. Não são Ele, embora se acreditem donas Dele..
Eu não sou uma católica desde o berço. Aconteceu de eu encontrar uma paz profunda, que me aquietou a dor e a solidão que se abateram sobre mim quando minha mãe morreu.
Ela foi o ser que mais me amou, o amor dela por mim transpirava por seu poros. Tínhamos as nossas divergências, mas nosso amor, cuidado, proteção e confiança uma pela outra eram uma certeza que compartilhávamos. Éramos como os Mosqueteiros: um por todos e todos por um. Eu tinha orgulho dela e ela tinha orgulho de mim.
 Eu não sei se você já viveu isso, sair para o mundo cheio de coragem e entusiasmo, alimentado pela presença e apoio e amor que tudo suporta e tudo perdoa. Pode ser do pai, da mãe, da avó, avô, irmão, da amada, do amado, dos filhos. Não importa. Saber-se amado e apoiado é como o ar que se respira.
 Perder esse amor, e que me perdoem os estoicos com aquele papo de que não devemos nos apegar, de que devemos nos preparar para o pior, que tudo é perecível e que já sabendo disso, e já sabendo que aquele a quem amo morrerá, que eu o abrace hoje sabendo que este abraço pode ser o último... é muito nobre escrever isso, é muito lúcido nos prepararmos para isso e ver a morte como uma passagem, ou seja, continuaremos a pertencer ao Universo... , esse conhecimento pode até amenizar, mas não tem como não sentir a falta, o vazio daqueles que nos amam e que amamos. A vida é partilha e se não se há com quem partilhar...
 Não me parece apego querer continuar sendo amado, pois o amor é o que nos move: por alguém, por uma causa, um trabalho, um lazer, um ideal. Sem esse combustível, por que levantar-se da cama todos os dias?
Conheço mães e pais que aguentam o diabo em seus empregos, nos transportes e até com o companheiro ou companheira, pelos filhos, para que eles tenham o que precisam. Eles tiram forças deste amor, desta vontade de ver bem os filhos.
Pois bem. Sem o amor e a presença de minha mãe eu me vi em queda livre. O que ainda me sustentava era o amor que tenho pelo meu irmão e pelas crianças e adolescentes para quem trabalho. E também pelos livros, os bichos de estima.
  Então fui ao batizado do amigo do meu irmão e sentada no banco de madeira, ouvindo os cânticos, as leituras bíblicas e o discurso do padre, eu encontrei a paz, um sopro passou por mim e me acalmou de tudo.
Encontrei Deus naquele momento, o que habita em mim. Mas também encontrei a Divina Presença de cada um que estava lá. Ela era toda sorriso, pegou na minha mão e me disse: “Eu estou aqui, nunca, nunca te deixarei. Eu te amo, minha querida.”
O que você faria se, entrando num local, descobrisse lá Alguém que mexe com você de um jeito que o deixasse nas nuvens, um ser por quem você se enamorasse?
Você voltaria lá, não é verdade? Na esperança de que esse Ser o notasse e melhor, que sentisse o mesmo... A cada vez que você voltasse, já no caminho o seu coração acelerado só de pensar na possibilidade de ser o objeto de amor desse Ser ... Quem é que pode explicar isso?
Eu sinto isso quando vou às missas. Lá eu encontro o amor que habita em mim e ao meu redor, que se manifesta se eu presto atenção. Ela vem e me abraça, um abraço terno e leve. Eu tenho insights quando estou lá, meus medos e preocupações, mágoa ou raiva, tudo se aquieta se diante da Divina Presença.
Estou apaixonada por Ela, não tem como não ir atrás. Há outros locais nos quais Ela gosta de ficar: florestas, montanhas, cachoeiras, praias. Eu A encontro numa árvore coberta de flores, ou quando dou de cara com um beija-flor flertando com uma flor, as risadas das crianças, um gesto de generosidade entre desconhecidos, um casal de braço dado, um adolescente dançando, um pai pegando com cuidado o filho bem pequeno no colo, um elogio inesperado e gratuito...

Deixo-o agora envolvido neste mesmo Amor que tudo suplanta, tudo cura, Aproveita cada gotinha da presença Dela.