Página 27
I
Em
que o autor apresenta a sua tese: O direito é fruto de luta, meio pelo qual se
busca a paz; em que refuta e chama de falsa a concepção romântica de Savigny
que tem o direito como fruto de um desenvolvimento natural.
““O fim do direito é a paz,
o meio de que se serve para consegui-lo é a luta. Enquanto o mundo estiver
sujeito às ameaças da injustiça – e isso perdurará enquanto o mundo for mundo-,
ele não poderá prescindir da luta. A vida do direito é a luta: luta dos povos,
dos governos, das classes sociais, dos indivíduos”
“Todos os direitos da
humanidade foram conquistados pela luta; seus princípios mais importantes
tiveram de enfrentar os ataques daqueles que a ele se opunham; todo e qualquer
direito, seja o direito de um povo, seja o direito do indivíduo, só se afirma
por uma disposição ininterrupta para a luta. O direito não é uma simples ideia,
é uma força viva. Por isso,
a justiça sustenta numa das mãos a balança com que pesa o direito, enquanto na
outra segura a espada por meio da qual o defende. A espada sem balança é a
força bruta, a balança sem a espada, a impotência do direito. Uma completa a
outra e o verdadeiro estado de direito só pode existir quando a justiça sabe
brandir a espada com a mesma habilidade com que manipula a balança.”
“ O direito é um trabalho se
tréguas , não só do Poder Público, mas de toda a população...”
Página 28
“...a vida de um homem é a
guerra, a de outro, a paz... Ocorre, porém, que ao gozo e à paz desfrutados por
um indivíduo correspondem o trabalho e a
luta de outro. A paz sem luta e o gozo sem trabalho pertencem aos tempos do
paraíso; na história, esses benefícios só surgem como produto de um esforço
persistente e exaustivo.”
Página 29
“É sabido que a palavra direito é usada em duas acepções
distintas, a objetiva e a subjetiva. O direito, no sentido objetivo, compreende os princípios jurídicos
manipulados pelo Estado, ou seja, o ordenamento legal da vida. O direito, no
sentido subjetivo, representa a atuação concreta da norma abstrata, de que
resulta uma faculdade específica de determinada pessoa... como objetivo
principal do meu trabalho escolhi a luta no terreno subjetivo, mas nem por isso
posso abster-me de demonstrar que a validade da minha proposição, de que a luta é a própria essência do direito,
também prevalece no campo objetivo.”
“... a manutenção da ordem
jurídica pelo Estado nada mais é que uma luta contínua contra as transgressões
da lei, que representam violações dessa lei...”
“Existe uma opinião que se
opõe ao meu entendimento de que a formação do direito está submetida à mesma
lei que rege sua existência... Essa opinião... que pode ser designada ... como
a teoria de Savigny e Puchta ... segundo ela, a formação do direito segue um
processo imperceptível e indolor, tal qual a do idioma. Não há qualquer
necessidade de luta ou esforço, nem
mesmo de uma busca do direito, pois é a força silenciosa da verdade que, sem
maiores esforços, abre eu caminho devagar, mas com segurança, e força da convicção que conquista paulatinamente
as consciências, que lhe dão expressão por meio da ação. Dessa forma,(página
30) um novo preceito jurídico entra em vigor com a mesma espontaneidade
de uma regra de linguística...”
“ Foi com essa concepção
sobre a origem do direito que saí d universidade...”
“Não podemos deixar de
reconhecer que, tal qual a língua, também o direito realiza uma evolução
involuntária e inconsciente... que se processa de dentro para fora. Constituem
produto dessa evolução as normas jurídicas sedimentadas aos poucos, mediante a
maneira uniforme pela qual se realizam os atos jurídicos individuais, e ainda
as abstrações, regras e efeitos que a ciência deduz por via analítica do
direito pré-existente, para trazê-las à nossa consciência.”
“ No entanto, o poder desses
dois fatores, ou seja, dos atos jurídicos e da ciência, é limitado. Os mesmos
podem regular e promover o movimento que se desenvolve pelos limites já
fixados, mas não são capazes de derrubar os diques que impedem a torrente do
direito de abrir novos caminhos...”
“ Entretanto, são muito
frequentes as hipóteses em que as modificações só podem ser realizadas por uma
incursão bastante penosa contra certos direitos adquiridos e interesses
constituídos.. Com o correr (página 31) do tempo, os
interesses de milhares de indivíduos e de classes inteiras estão identificados
ao direito existente de forma tão profunda que não pode ser alterado sem sofrer
um ataque bastante sensível...”
Página 31
“ sempre que o direito
existente esteja defendido pelo interesse, o direito novo terá de travar uma
luta para impor-se, uma luta que muitas vezes dura séculos e cuja intensidade
se torna maior quando os interesses constituídos se tenham corporificado em
forma de direito adquirido... Todas
as grandes conquistas da história do direito, como a abolição da escravatura e
da servidão, a livre aquisição da propriedade territorial, a liberdade de
profissão e de consciência, só puderam ser alcançadas através de séculos de
lutas intensas e ininterruptas. O caminho percorrido pelo direito em busca de
tais conquistas muitas vezes está assinalado por torrentes de sangue, sempre
pelos direitos sibjetivos pisoteados....”
Página 32
“De forma alguma podemos
aceitar o paralelismo entre o direito de um lado e a arte de outro,
estabelecido por Savigny, e que em pouco tempo alcançou aceitação geral. Como
concepção histórica é falsa...”
Página 33
“... o nascimento do
direito, tal qual o do homem, é invariavelmente acompanhado das dores violentas
do parto.”
“... um direito alcançado
sem esforço equivale a uma criança trazida pela cegonha... o amor que um povo
dedica ao seu direito e a energia despendida na sua defesa são determinados
pela intensidade do esforço e do trabalho que ele lhe custou. Os elos mais
sólidos entre um povo e seu direito não são forjados pelo hábito, mas pelo
sacrifício .... a luta necessária ao nascimento do direito não é nenhuma
maldição, mas uma benção.”
Página 35
II
Em
que o autor avisa com qual ramo do direito trabalhará: o civil, porque este
trata do direito aos bens; argumenta que a defesa da propriedade transcende o
interesse monetário, é também defesa da honra, da moral, da personalidade e que
abrir mão do bem é decretar a morte do direito.
“Passo
a tratar agora da luta pelo direito subjetivo ou concreto. Essa luta é
provocada pela violação ou negação desse direito. Nenhum direito, seja o dos
indivíduos, seja o dos povos, está imune a esse risco; pois o interesse de um
na defesa do direito sempre se contrapõe ao interesse de outrem no seu
desrespeito... a luta se repete em todas s áreas do direito ... direito
público...direito privado... direito internacional, em forma de guerra; a
resistência de um povo contra os atos de despotismo e contra as violações da
Constituição praticadas pelo poder estatal, que assume a forma de sublevação,
de revolta, de revolução.... todos esses modos de defesa , apesar da
diversidade do objeto do litígio e do maior ou menor empenho colocados neles...
não passam de formas e cenas de uma mesma luta pelo direito. De todas essas formas escolho a
mais prosaica, qual seja a disputa legal do direito privado no processo
civil... porque nesse terreno é maior o perigo de uma interpretação errônea do
verdadeiro estado de coisas, tanto da parte do jurista como do (36) leigo....”
Página 38
“...Tanto quanto o povo, que
em última análise não combate por um quilômetro quadrado de seu solo, mas por
sua própria existência, sua honra e sua independência , também o demandante que
recorre ao processo para defender-se contra um ultraje ao seu direito não tem
em vista o objeto do litígio ... mas antes visa a um objetivo ideal: a
afirmação de sua própria pessoa e do seu sentimento de justiça...”
Página 39
“ ... existem pessoas que ... prezam mais a paz que
um direito cuja afirmação demanda grandes sacrifícios... o direito objetivo
deixa a cada um a opção de fazer valer ou abandonar seu direito subjetivo. Da
minha parte, entendo que essa opinião... é altamente condenável e entra em
conflito com a própria essência do direito... este só pode se manter por meio
de uma resistência denodada contra a injustiça, tal ideia prega uma capitulação
covarde diante dessa injustiça ... a resistência contra uma afronta ao nosso
direito, ... uma ofensa pessoal, constitui um dever.”
“... Constitui um dever do
titular do direito para consigo mesmo, pois representa um imperativo de
autodefesa moral; e representa um dever para com a comunidade, pois só por meio
de tal defesa o direito pode realizar-se.”
Página 41
III
Em
que o autor esclarece que o valor dado à personalidade e ao patrimônio varia de
acordo com o caráter da pessoa, a sua profissão e nacionalidade; defende que o
interesse monetário deturpa o valor da propriedade, que a propriedade encerra a
personalidade do proprietário; que a defesa do direito constitui um dever para
com a comunidade; discute dois exemplos de personagens literários que tiveram
negados os seus direitos: Shylock ( O mercador de Veneza) e Michael Kohlhaas. O
primeiro submete-se à injustiça, o segundo faz justiça com as próprias mãos.
“A luta pelo direito
subjetivo é um dever do titular para consigo mesmo. A defesa da própria
existência é a lei suprema de toda a vida: manifesta-se em todas as criaturas
por meio do instinto de autoconservação. No home, porém, trata-se não apenas da
vida física, mas também da existência moral; e uma das condições desta é a
defesa do direito. No direito, o homem encontra e defende suas condições de
subsistência moral; sem o direito, regride à condição animalesca....”
Página 42
“Nem toda agressão ao
direito representa um ato de arbítrio, isto é, um gesto de rebeldia contra a
ideia do direito. Aquele que possui um objeto de minha propriedade e se julga
proprietário do mesmo não nega a ideia de propriedade investida em minha pessoa,
antes invoca-a em seu favor. O litígio entre nós girará tão somente em torno da
questão de quem é o verdadeiro proprietário. Já o ladrão e o assaltante colocam-se além da
propriedade, negam não só aminha propriedade, como também a própria ideia de
propriedade e, com isso, uma condição essencial de existência de minha
pessoa...”
“...ao defender sua
propriedade, o homem defende a si mesmo, a sua personalidade. Só o conflito de
deveres entre a defesa da propriedade e a preservação de um bem mais elevado, como
a vida, conflito que surge, por exemplo, quando o assaltante coloca a vítima
diante da alternativa de dar o dinheiro ou a vida, pode justificar a renúncia à
propriedade....”
Página 44
“... a resistência
obstinada... essa inacessibilidade psicológica, essa desconfiança obstinada,
não constitui uma característica individual, resultante dos traços pessoais do
caráter, mas é determinada em larga escala pelos desníveis gerais resultantes
do grau de instrução ou das características da profissão dos litigantes.... Não há ninguém que saiba cuidar do
seu interesse e guardar o que possui com
tanto empenho como o camponês; assim mesmo, conforme é sabido, não há
ninguém que com tanta frequência sacrifique tudo numa demanda.... o vigoroso
sentimento de propriedade torna mais intensa a dor resultante de uma ofensa à
mesma, por isso, reação se torna mais
violenta. O espírito de emulação do camponês nada é senão o sentimento de
propriedade temperado pela desconfiança...”
Página 44
“ No Direito Romano da Antiguidade,...
a desconfiança do camponês, que em todo conflito fareja uma intenção malévola
do adversário, chegou a corporificar-se em verdadeiras normas jurídicas...”
Página 45
“... Se o direito fosse
feito pelos camponeses de hoje, provavelmente seria o mesmo dos seus colegas de
profissão da antiga Roma... Mas já em Roma a desconfiança no setor do direito
foi vencida pela cultura, mediante a distinção entre dois tipos de agressão ao
direito, a culposa e a inocente, ou a subjetiva e a objetiva...”
Página 47
“Vejamos agora a profissão
do camponês. Ali o mesmo homem que defende sua propriedade com tamanha
obstinação demonstra uma insensibilidade notável em questões de honra. Qual é a
explicação¿ Tal qual acontece com o oficial, encontramo-nos perante um sentimento
coerentemente derivado do estilo de vida.
Página 48
“... Aquilo que a honra é
para o oficial e a propriedade para o camponês, para o comerciante é
representado pelo crédito. Para ele a manutenção do mesmo constitui questão de
vida ou morte...”
Página 49
“... Qualquer Estado pune
com maior rigor os crimes que ameaçam seus princípios peculiares de vida,
enquanto nos demais permanece uma brandura muitas vezes extraordinária. Para
teocracia, a blasfêmia e a idolatria são crimes mortais, enquanto a violação de
marcos divisórios constitui simples contravenção (veja-se o direito mosaico).
Já o Estado agrícola punirá esse último delito com maior rigor, enquanto
reserva uma pena branda para o blasfemo ( direito romano). O Estado mercantil
atribuirá importância maior à falsificação da moeda e a outros tipos de
falsidade; o Estado absolutista, aos crimes de lesa-majetade; a república, às
tentativas de implementação do poder real...”
Página 50
“ A classe dos serviçais não
pode conservar o sentimento de honra na mesma extensão que as demais camadas da
sociedade. Sua posição acarreta humilhações, contra as quais o indivíduo se
revoltaria em vão enquanto a classe as tolera. Uma pessoa dotada de um elevado
sentimento de honra, que pertença a essa classe, só dispõe de duas alternativas:
reduzir suas pretensões à medida dos demais membros de sua classe ou mudar de
profissão. Só a partir do instante em que se generalize um sentimento de honra
mais intenso em meio à sua classe é que o indivíduo adquire a possibilidade de
não mais esgotar suas forças numa luta vã, mas utilizá-las em comunhão com seus
colegas para elevar o nível de honra profissional – e não me refiro apenas ao
sentimento subjetivo da honra, mas também ao reconhecimento objetivo da mesma pelas
demais classes sociais e pelo legislador...”
Página 51
“... A fonte histórica e a
justificação moral da propriedade residem no trabalho. Não me refiro apenas ao
trabalho das mãos e dos braços, mas também ao do espírito e do talento...”
Página 52
“ ... Mas mesmo no terreno
das violações de direito cuja defesa fica a cargo do indivíduo, a luta nunca cessa, pois nem todos seguem a
política do covarde, e até mesmo este enfileira-se entre os combatentes quando
o valor do objeto do litígio ultrapassa o preço da sua comodidade. Imaginemos,
contudo, as condições em que o titular do direito não pode contar com o apoio
da polícia e do direito penal, recuemos ao tempo em que, como na Roma Antiga, a
perseguição do ladrão incumbia á vítima. Qualquer um perceberá até onde nos
levaria o abandono do direito num ambiente desses. Evidentemente essa atitude
encorajaria os ladrões e assaltantes. A mesma coisa aplica-se à vida dos povos...”
“Rejeitemo-la, portanto, essa moral da comodidade, que nenhum povo,
nenhum indivíduo dotado de um mediano sentimento de justiça jamais adotou.
Constitui indício e produto de um sentimento de justiça frouxo e doentio...”
“... Quando, entretanto, nos defrontamos com o arbítrio que investe
contra o direito, essa visão materialista que confunde questão de direito com a
questão de interesse perde toda justificativa, pois o golpe que o arbítrio puro
desfere contra o direito não tinge apenas a este, mas também à própria pessoa.”
Página 54
‘...O direito, que no
terreno puramente material não passa de uma prosa trivial, quando alcança a
esfera da personalidade transforma-se em poesia, numa verdadeira luta pelo
direito a bem da preservação da personalidade. A luta pelo direito e a poesia
do caráter.”
Página 55
“ ... o direito é a condição
de vida moral da pessoa, sua defesa representa um imperativo de autoconservação
moral.”
Página 56
“... a atitude de um
indivíduo ou povo diante de alguma ofensa ao seu direito constitui a melhor
pedra de toque do seu caráter. Se no caráter enxergamos a personalidade plena,
que repousa em si mesma e em si mesma se sustém, a melhor oportunidade de pô-la
à prova surgirá quando um ato ilícito atinge tanto o direito como a própria
pessoa...”
Página 58
“... a luta pelo direito é
um dever do indivíduo para consigo mesmo... a defesa do direito constitui um
dever para com a comunidade.”
“para fundamentar esta
proposição, vejo-me obrigado a examinar mais detidamente a relação entre o
direito em sentido objetivo e o direito em sentido subjetivo ... essa relação
consiste no fato de que o direito objetivo constitui pressuposto do direito
subjetivo. Um direito concreto só pode constituir-se quando se achem presentes
os pressupostos de que o direito abstrato deriva sua existência... o direito
concreto não só recebe vida e energia do direito abstrato, mas também a ele as
devolve. A essência do direito
reside na sua realização prática. Uma norma jurídica que nunca tenha alcançado
essa realização, ou que a tenha perdido, já não faz jus a esse nome... pode ser
eliminada sem que disso resulte a menor alteração....”
Página 59
“A realização das normas de
direito público depende da noção de dever de que se achem imbuídos os
funcionários estatais; a do direito privado, da eficácia das motivações que
levam o titular seu direito: o interesse e o sentimento de justiça. Quando
essas motivações falham, quando o sentimento de justiça é frouxo e embotado, e
o interesse não se revela bastante poderoso para superar a comodidade, a
aversão à luta e o receio causado pelo processo, a consequência só poderá ser
uma: a falta de aplicação da norma jurídica.”
“... Volto a invocar uma imagem de que já me vali: a
de um único homem que foge da batalha. Quando mil homens lutam, ninguém notará o
afastamento de um só. Mas se algumas centenas abandonarem suas posições, a
posição dos que se mantêm fiéis tornar-se-á cada vez mais difícil, pois terão
de suportar sozinhos todo o peso da luta.”
“... Também no campo do
direito privado há de ser travada uma luta do direito contra a injustiça, uma
luta comum de que participa toda a nação e que exige a união indefectível de
todos os indivíduos...”
Página 60
“... quem defende o direito
subjetivo (o direito do indivíduo
previsto em lei) defende, em seu âmbito, o direito em geral... Trata-se
também de um real e eminentemente prático, sentido por todos, mesmo aqueles que não tenham a menor compreensão
pelo interesse ideal a que acabamos de aludir: é o interesse pela salvaguarda e
manutenção de uma ordem permanente nas relações entre os indivíduos , que toca
cada um de nós em determinado setor...”
Página 61
“ ... Quando o direito é
expulso do lugar que lhe pertence, não devemos culpar a injustiça, mas o
direito que com isso se conformou... não tolere injustiças... não pratiques
injustiças....”
“... a qualquer um cabe o
dever de defender os interesses comuns contra o inimigo externo ... A justiça e o direito não florescem
mais num país pelo simples fato de o juiz estar pronto a julgar e a polícia
sair à caça dos criminosos; cada qual tem de fornecer sua contribuição para que
isso aconteça. A todos cabe o dever de esmagara cabeça da hidra ( um dos 12
trabalhos de Hércules) do arbítrio e do desrespeito à lei, sempre que esta sair
da toca. Todo aquele que desfruta as bênçãos do direito deve contribuir para ( 62) manter a força e o prestígio da lei... todo homem é um combatente pelo
direito, no interesse da sociedade.”
Página 62
“Neste ponto atingimos o
pico culminante do ideal da luta pelo direito. Partindo do motivo vulgar do
interesse, elevamo-nos à ideia da autoconservação moral da personalidade para
chegar finalmente à concepção da participação de cada indivíduo na realização
da ideia do direito para o bem da sociedade.”
Página 66
“É o ódio e a vingança que
levam Shylock ingressar em juízo com o objetivo de cortar do corpo de Antônio a
libra de carne que lhe pertence...”
A
libra de carne que ora exijo
Foi
comprada a bom preço,
E
por isso eu a quero.
Que
vossa lei se cubra de vergonha,
Se
ma recusardes!
Pois
então a lei de Veneza nenhuma força terá.
...
invoco a lei
....
no título que ora exibo fundo minha pretensão.
Página 67
“... Shylock que se afasta
vencido e humilhado, que é a figura típica do judeu da Idade Média, daquele
pária social, que clama em vão pelo seu direito. A grande tragédia do seu
destino não consiste na negação do seu direito, mas antes no fato de que ele,
um judeu na Idade Média, está imbuído na fé no direito ... é uma fé
inquebrantável, uma fé que nada neste mundo pode abalar, uma fé alimentada pelo
próprio juiz – até que, com a fúria de um temporal, desaba: sobre a sua cabeça
a catástrofe que o arranca do reino das ilusões e lhe traz à consciência o fato
de que não passa de um judeu da Idade Média, um proscrito, cujo direito é
defraudado no mesmo instante em que é reconhecido.”
Página 68
“A figura de Shylock evoca a
de outro homem, não menos histórica e patética. É a de Michael Kohlhaas, que
Heinrich von Kleist traçou com uma verossimilhança tocante na novela de igual
nome. Shylock retira-se cabisbaixo, sua força está quebrada; sem resistência,
submete-se ao veredicto do juiz. Com Michael Kohlhaas não acontece a mesma
coisa. Esgotados todos os meios de fazer prevalecer seu direito, violentado da
forma mais indigna, depois que um ato da mais monstruosa justiça de gabinete
lhe trancou as vias de direito, depois que a justiça, até mesmo na figura do
seu mais alto representante, o soberano, colocou-se francamente ao lado da
injustiça, vê-se dominado por uma dor infinita, causada pelo atentado de que
foi vítima. ‘Antes ser um cão do que um homem, se tenho de ser pisado.”
“ A decisão está tomada:
Quem me recusa a proteção da lei empurra-me para os ermos em que habitamos
selvagens, coloca nas minhas mãos a arma que há de me proteger.” Arranca a
espada conspurcada das mãos de uma justiça covarde e brande-a de tal forma que
espalha o terror por todos os campos do país...”
Página 69
“ Nenhuma injustiça
praticada pelo homem, por mais grave que seja, aproxima-se, pelo menos para o
senso moral não corrompido, daquela que a autoridade investida em suas funções
pela graça de Deus comete ao violar o direito...”
IV
Em
que o autor conclui o opúsculo ( pequeno livro): retoma todas as teses e
reafirma-as. O direito é luta; a defesa do bem é também defesa da personalidade
de seu proprietário, de que esta está impregnada. Direito subjetivo e objetivo
estão intimamente ligados e se alimentam, a defesa do direito subjetivo é a
defesa do direito objetivo e reflete em toda sociedade. Furtar-se à luta pelo
que é de direito é decretar a morte do direito
V
O
autor explica como o direito romano moderno reduz a luta pelo direito à luta
movida pelo interesse monetário. Lamenta-se da concepção de legítima defesa praticada
em seus dias. Vê na teoria da prova um entrave para a efetivação da defesa do
direito.
Página 83
‘...durante
o Império, o direito privado da República, que expressava a objetivação do
sentimento de justiça enérgico e varonil dos homens da Roma Antiga, ainda pode
servir por algum tempo como fonte refrescante e vivificadora; foi o oásis dos
tempos posteriores, o único lugar em que ainda jorrava um manancial de água
pura. Mas nenhuma forma de vida independente poderia resistir por muito tempo
ao vento escaldante do despotismo...”
Página 85
“Para
resumir, direi que a característica específica da história e do conteúdo do
direito romano moderno reside no predomínio ... da erudição... temos um direito
estranho, numa língua estranha, introduzida pelos letrados e acessível somente a estes em toda plenitude...”
Página 86
“...
limito-me a indicar dois desvios da nossa jurisprudência...”
“
Um deles consiste no abandono completo, pela jurisprudência moderna, da ideia
tão simples ... de que a lesão do direito põe em jogo não apenas um valor
pecuniário, mas representa uma ofensa ao sentimento de justiça, que exige
reparação. O padrão pelo qual se medem todas as coisas é exclusivamente o
materialismo mis rasteiro e desolador, o do interesse...”
Página 89
“...
A
ideia de que não só no direito penal, mas também no direito privado, a balança
de Temis deve pesar a injustiça e não apenas o dinheiro é tão estranha às
concepções jurídicas atuais que, ao enuncia-la já antevejo uma objeção: é
justamente nisso que consiste a diferença entre direito penal e direito
privado. No direito dos nossos dias é assim; infelizmente, acrescento... até
hoje ninguém provou que existe qualquer ramo do direito em que não possa ser
admitida a realização da ideia de justiça m toda a sua plenitude. E a ideia da
justiça acha-se indissoluvelmente ligada à efetivação da ideia d
culpabilidade.”
(páginas
89,90) “Outro dos desvios verdadeiramente calamitosos da jurisprudência
moderna a que aludi consiste na teoria probatória por ela elaborada... a teoria
probatória moderna atinge seu grau máximo de insensatez nas ações de perdas e
danos e nas querelas patrimoniais.”
Página 90
“refiro-me à atrofia
vergonhosa do instituto da legítima defesa, um direito fundamental do homem
que, segundo Cícero, constitui uma lei da natureza inata ao homem...”
“... Quase chegamos a
acreditar que nos vemos em meio a uma associação de castrados morais. O homem
que se defronta com um perigo ou uma ofensa à sua honra deve retirar-se, fugir.
Logo, o direito deve abandonar a luta diante da injustiça... um pobre soldado
que, atacado, bateu em retirada duas vezes, em obediência a esse preceito, mas
da terceira vez, como seu inimigo continuasse a persegui-lo, resistiu e o
matou, foi condenado à morte a fio de espada “para servir de lição edificante a
si mesmo, e de escarmento aos demais.”
Página 94
“...Sem luta não há direito,
da mesma forma que sem trabalho não há propriedade. À frase “ no suor de seu
rosto hás de comer o teu pão” contrapomos outra, não menos válida: “ Na luta
hás de encontrar o teu direito”. No momento em que o direito renuncia à luta, ele renuncia a si mesmo.
Também ao direito aplicam-se estas
palavras do poeta:
É esta a palavra final do sábio:
A vida e a liberdade, só a merece
Aquele que sem cessar tem de conquistá-la.
Página 95
Sobre o autor
“Rudolf von Ihering, jurista
alemão, nasceu em Aurich, Frísia, em 22 de agosto de 1818, é morreu em
Gottingen em 17 de setembro de 1892. Estudou direito em Heidelberg, Munique,
Gottingen e Berlim, em cuja universidade se graduou, em 1843. Exerceu o
magistério jurídico nas universidades de Basileia (1845), Rostock ( 1845), Kiel
( 1849), Giessem ( 1852) e Viena ( 1868) onde ensinou Direito Romano e foi
agraciado com um título de nobreza, para finalmente, se transferir para
Gottingen (1872). Seu renome como jurista, iguala ao de Frederick Karl von
Savigny (1779- 1861) e Bernhard Windscheid (1817- 1892), consagrado como uma
das maiores expressões da ciência jurídica do século XIX.