domingo, 18 de maio de 2014

Fichamento do livro A luta pelo direito 2ª parte

Página 27
I
Em que o autor apresenta a sua tese: O direito é fruto de luta, meio pelo qual se busca a paz; em que refuta e chama de falsa a concepção romântica de Savigny que tem o direito como fruto de um desenvolvimento natural.

““O fim do direito é a paz, o meio de que se serve para consegui-lo é a luta. Enquanto o mundo estiver sujeito às ameaças da injustiça – e isso perdurará enquanto o mundo for mundo-, ele não poderá prescindir da luta. A vida do direito é a luta: luta dos povos, dos governos, das classes sociais, dos indivíduos”
“Todos os direitos da humanidade foram conquistados pela luta; seus princípios mais importantes tiveram de enfrentar os ataques daqueles que a ele se opunham; todo e qualquer direito, seja o direito de um povo, seja o direito do indivíduo, só se afirma por uma disposição ininterrupta para a luta. O direito não é uma simples ideia, é uma força viva. Por isso, a justiça sustenta numa das mãos a balança com que pesa o direito, enquanto na outra segura a espada por meio da qual o defende. A espada sem balança é a força bruta, a balança sem a espada, a impotência do direito. Uma completa a outra e o verdadeiro estado de direito só pode existir quando a justiça sabe brandir a espada com a mesma habilidade com que manipula a balança.”
“ O direito é um trabalho se tréguas , não só do Poder Público, mas de toda a população...”
Página 28
“...a vida de um homem é a guerra, a de outro, a paz... Ocorre, porém, que ao gozo e à paz desfrutados por um indivíduo correspondem o trabalho  e a luta de outro. A paz sem luta e o gozo sem trabalho pertencem aos tempos do paraíso; na história, esses benefícios só surgem como produto de um esforço persistente e exaustivo.”
Página 29
“É sabido que a palavra direito é usada em duas acepções distintas, a objetiva e a subjetiva. O direito, no sentido objetivo, compreende os princípios jurídicos manipulados pelo Estado, ou seja, o ordenamento legal da vida. O direito, no sentido subjetivo, representa a atuação concreta da norma abstrata, de que resulta uma faculdade específica de determinada pessoa... como objetivo principal do meu trabalho escolhi a luta no terreno subjetivo, mas nem por isso posso abster-me de demonstrar que a validade da minha proposição, de que a luta é a própria essência do direito, também prevalece no campo objetivo.”
“... a manutenção da ordem jurídica pelo Estado nada mais é que uma luta contínua contra as transgressões da lei, que representam violações dessa lei...”
“Existe uma opinião que se opõe ao meu entendimento de que a formação do direito está submetida à mesma lei que rege sua existência... Essa opinião... que pode ser designada ... como a teoria de Savigny  e Puchta ... segundo ela, a formação do direito segue um processo imperceptível e indolor, tal qual a do idioma. Não há qualquer necessidade de luta ou esforço,  nem mesmo de uma busca do direito, pois é a força silenciosa da verdade que, sem maiores esforços, abre eu caminho devagar, mas com segurança, e  força da convicção que conquista paulatinamente as consciências, que lhe dão expressão por meio da ação. Dessa forma,(página 30) um novo preceito jurídico entra em vigor com a mesma espontaneidade de uma regra de linguística...”
“ Foi com essa concepção sobre  a origem do direito que saí d universidade...”
“Não podemos deixar de reconhecer que, tal qual a língua, também o direito realiza uma evolução involuntária e inconsciente... que se processa de dentro para fora. Constituem produto dessa evolução as normas jurídicas sedimentadas aos poucos, mediante a maneira uniforme pela qual se realizam os atos jurídicos individuais, e ainda as abstrações, regras e efeitos que a ciência deduz por via analítica do direito pré-existente, para trazê-las à nossa consciência.”
“ No entanto, o poder desses dois fatores, ou seja, dos atos jurídicos e da ciência, é limitado. Os mesmos podem regular e promover o movimento que se desenvolve pelos limites já fixados, mas não são capazes de derrubar os diques que impedem a torrente do direito de abrir novos caminhos...”
“ Entretanto, são muito frequentes as hipóteses em que as modificações só podem ser realizadas por uma incursão bastante penosa contra certos direitos adquiridos e interesses constituídos.. Com o correr  (página 31) do tempo, os interesses de milhares de indivíduos e de classes inteiras estão identificados ao direito existente de forma tão profunda que não pode ser alterado sem sofrer um ataque bastante sensível...”
Página 31
“ sempre que o direito existente esteja defendido pelo interesse, o direito novo terá de travar uma luta para impor-se, uma luta que muitas vezes dura séculos e cuja intensidade se torna maior quando os interesses constituídos se tenham corporificado em forma de direito adquirido... Todas as grandes conquistas da história do direito, como a abolição da escravatura e da servidão, a livre aquisição da propriedade territorial, a liberdade de profissão e de consciência, só puderam ser alcançadas através de séculos de lutas intensas e ininterruptas. O caminho percorrido pelo direito em busca de tais conquistas muitas vezes está assinalado por torrentes de sangue, sempre pelos direitos sibjetivos pisoteados....”
Página 32
“De forma alguma podemos aceitar o paralelismo entre o direito de um lado e a arte de outro, estabelecido por Savigny, e que em pouco tempo alcançou aceitação geral. Como concepção histórica é falsa...”
Página 33
“... o nascimento do direito, tal qual o do homem, é invariavelmente acompanhado das dores violentas do parto.”
“... um direito alcançado sem esforço equivale a uma criança trazida pela cegonha... o amor que um povo dedica ao seu direito e a energia despendida na sua defesa são determinados pela intensidade do esforço e do trabalho que ele lhe custou. Os elos mais sólidos entre um povo e seu direito não são forjados pelo hábito, mas pelo sacrifício .... a luta necessária ao nascimento do direito não é nenhuma maldição, mas uma benção.”

Página 35
II
Em que o autor avisa com qual ramo do direito trabalhará: o civil, porque este trata do direito aos bens; argumenta que a defesa da propriedade transcende o interesse monetário, é também defesa da honra, da moral, da personalidade e que abrir mão do bem é decretar a morte do direito.
Passo a tratar agora da luta pelo direito subjetivo ou concreto. Essa luta é provocada pela violação ou negação desse direito. Nenhum direito, seja o dos indivíduos, seja o dos povos, está imune a esse risco; pois o interesse de um na defesa do direito sempre se contrapõe ao interesse de outrem no seu desrespeito... a luta se repete em todas s áreas do direito ... direito público...direito privado... direito internacional, em forma de guerra; a resistência de um povo contra os atos de despotismo e contra as violações da Constituição praticadas pelo poder estatal, que assume a forma de sublevação, de revolta, de revolução.... todos esses modos de defesa , apesar da diversidade do objeto do litígio e do maior ou menor empenho colocados neles... não passam de formas e cenas de uma mesma luta pelo direito. De todas essas formas escolho a mais prosaica, qual seja a disputa legal do direito privado no processo civil... porque nesse terreno é maior o perigo de uma interpretação errônea do verdadeiro estado de coisas, tanto da parte do jurista como do  (36) leigo....”
Página 38
“...Tanto quanto o povo, que em última análise não combate por um quilômetro quadrado de seu solo, mas por sua própria existência, sua honra e sua independência , também o demandante que recorre ao processo para defender-se contra um ultraje ao seu direito não tem em vista o objeto do litígio ... mas antes visa a um objetivo ideal: a afirmação de sua própria pessoa e do seu sentimento de justiça...”
Página 39
“ ...  existem pessoas que ... prezam mais a paz que um direito cuja afirmação demanda grandes sacrifícios... o direito objetivo deixa a cada um a opção de fazer valer ou abandonar seu direito subjetivo. Da minha parte, entendo que essa opinião... é altamente condenável e entra em conflito com a própria essência do direito... este só pode se manter por meio de uma resistência denodada contra a injustiça, tal ideia prega uma capitulação covarde diante dessa injustiça ... a resistência contra uma afronta ao nosso direito, ... uma ofensa pessoal, constitui um dever.”
“... Constitui um dever do titular do direito para consigo mesmo, pois representa um imperativo de autodefesa moral; e representa um dever para com a comunidade, pois só por meio de tal defesa o direito pode realizar-se.”
Página 41
III
Em que o autor esclarece que o valor dado à personalidade e ao patrimônio varia de acordo com o caráter da pessoa, a sua profissão e nacionalidade; defende que o interesse monetário deturpa o valor da propriedade, que a propriedade encerra a personalidade do proprietário; que a defesa do direito constitui um dever para com a comunidade; discute dois exemplos de personagens literários que tiveram negados os seus direitos: Shylock ( O mercador de Veneza) e Michael Kohlhaas. O primeiro submete-se à injustiça, o segundo faz justiça com as próprias mãos.
“A luta pelo direito subjetivo é um dever do titular para consigo mesmo. A defesa da própria existência é a lei suprema de toda a vida: manifesta-se em todas as criaturas por meio do instinto de autoconservação. No home, porém, trata-se não apenas da vida física, mas também da existência moral; e uma das condições desta é a defesa do direito. No direito, o homem encontra e defende suas condições de subsistência moral; sem o direito, regride à condição animalesca....”
Página 42
“Nem toda agressão ao direito representa um ato de arbítrio, isto é, um gesto de rebeldia contra a ideia do direito. Aquele que possui um objeto de minha propriedade e se julga proprietário do mesmo não nega a ideia de propriedade investida em minha pessoa, antes invoca-a em seu favor. O litígio entre nós girará tão somente em torno da questão de quem é o verdadeiro proprietário. Já o ladrão e o assaltante colocam-se além da propriedade, negam não só aminha propriedade, como também a própria ideia de propriedade e, com isso, uma condição essencial de existência de minha pessoa...”

“...ao defender sua propriedade, o homem defende a si mesmo, a sua personalidade. Só o conflito de deveres entre a defesa da propriedade e a preservação de um bem mais elevado, como a vida, conflito que surge, por exemplo, quando o assaltante coloca a vítima diante da alternativa de dar o dinheiro ou a vida, pode justificar a renúncia à propriedade....”
Página 44
“... a resistência obstinada... essa inacessibilidade psicológica, essa desconfiança obstinada, não constitui uma característica individual, resultante dos traços pessoais do caráter, mas é determinada em larga escala pelos desníveis gerais resultantes do grau de instrução ou das características da profissão dos litigantes.... Não há ninguém que saiba cuidar do seu interesse e guardar o que possui com  tanto empenho como o camponês; assim mesmo, conforme é sabido, não há ninguém que com tanta frequência sacrifique tudo numa demanda.... o vigoroso sentimento de propriedade torna mais intensa a dor resultante de uma ofensa à mesma, por isso,  reação se torna mais violenta. O espírito de emulação do camponês nada é senão o sentimento de propriedade temperado pela desconfiança...”
Página 44
“ No Direito Romano da Antiguidade,... a desconfiança do camponês, que em todo conflito fareja uma intenção malévola do adversário, chegou a corporificar-se em verdadeiras normas jurídicas...”

Página 45
“... Se o direito fosse feito pelos camponeses de hoje, provavelmente seria o mesmo dos seus colegas de profissão da antiga Roma... Mas já em Roma a desconfiança no setor do direito foi vencida pela cultura, mediante a distinção entre dois tipos de agressão ao direito, a culposa e a inocente, ou a subjetiva e a objetiva...”

Página 47
“Vejamos agora a profissão do camponês. Ali o mesmo homem que defende sua propriedade com tamanha obstinação demonstra uma insensibilidade notável em questões de honra. Qual é a explicação¿ Tal qual acontece com o oficial, encontramo-nos perante um sentimento coerentemente derivado do estilo de vida.
Página 48 
“... Aquilo que a honra é para o oficial e a propriedade para o camponês, para o comerciante é representado pelo crédito. Para ele a manutenção do mesmo constitui questão de vida ou morte...”
Página 49
“... Qualquer Estado pune com maior rigor os crimes que ameaçam seus princípios peculiares de vida, enquanto nos demais permanece uma brandura muitas vezes extraordinária. Para teocracia, a blasfêmia e a idolatria são crimes mortais, enquanto a violação de marcos divisórios constitui simples contravenção (veja-se o direito mosaico). Já o Estado agrícola punirá esse último delito com maior rigor, enquanto reserva uma pena branda para o blasfemo ( direito romano). O Estado mercantil atribuirá importância maior à falsificação da moeda e a outros tipos de falsidade; o Estado absolutista, aos crimes de lesa-majetade; a república, às tentativas de implementação do poder real...”
Página 50
“ A classe dos serviçais não pode conservar o sentimento de honra na mesma extensão que as demais camadas da sociedade. Sua posição acarreta humilhações, contra as quais o indivíduo se revoltaria em vão enquanto a classe as tolera. Uma pessoa dotada de um elevado sentimento de honra, que pertença a essa classe, só dispõe de duas alternativas: reduzir suas pretensões à medida dos demais membros de sua classe ou mudar de profissão. Só a partir do instante em que se generalize um sentimento de honra mais intenso em meio à sua classe é que o indivíduo adquire a possibilidade de não mais esgotar suas forças numa luta vã, mas utilizá-las em comunhão com seus colegas para elevar o nível de honra profissional – e não me refiro apenas ao sentimento subjetivo da honra, mas também ao reconhecimento objetivo da mesma pelas demais classes sociais e pelo legislador...”
Página 51
“... A fonte histórica e a justificação moral da propriedade residem no trabalho. Não me refiro apenas ao trabalho das mãos e dos braços, mas também ao do espírito e do talento...”
Página 52
“ ... Mas mesmo no terreno das violações de direito cuja defesa fica a cargo do indivíduo, a  luta nunca cessa, pois nem todos seguem a política do covarde, e até mesmo este enfileira-se entre os combatentes quando o valor do objeto do litígio ultrapassa o preço da sua comodidade. Imaginemos, contudo, as condições em que o titular do direito não pode contar com o apoio da polícia e do direito penal, recuemos ao tempo em que, como na Roma Antiga, a perseguição do ladrão incumbia á vítima. Qualquer um perceberá até onde nos levaria o abandono do direito num ambiente desses. Evidentemente essa atitude encorajaria os ladrões e assaltantes. A mesma coisa aplica-se à vida dos povos...”
“Rejeitemo-la, portanto, essa moral da comodidade, que nenhum povo, nenhum indivíduo dotado de um mediano sentimento de justiça jamais adotou. Constitui indício e produto de um sentimento de justiça frouxo e doentio...”
“... Quando, entretanto, nos defrontamos com o arbítrio que investe contra o direito, essa visão materialista que confunde questão de direito com a questão de interesse perde toda justificativa, pois o golpe que o arbítrio puro desfere contra o direito não tinge apenas a este, mas também à própria pessoa.”
Página 54
‘...O direito, que no terreno puramente material não passa de uma prosa trivial, quando alcança a esfera da personalidade transforma-se em poesia, numa verdadeira luta pelo direito a bem da preservação da personalidade. A luta pelo direito e a poesia do caráter.”
Página 55
“ ... o direito é a condição de vida moral da pessoa, sua defesa representa um imperativo de autoconservação moral.”
Página 56
“... a atitude de um indivíduo ou povo diante de alguma ofensa ao seu direito constitui a melhor pedra de toque do seu caráter. Se no caráter enxergamos a personalidade plena, que repousa em si mesma e em si mesma se sustém, a melhor oportunidade de pô-la à prova surgirá quando um ato ilícito atinge tanto o direito como a própria pessoa...”
Página 58
“... a luta pelo direito é um dever do indivíduo para consigo mesmo... a defesa do direito constitui um dever para com a comunidade.”
“para fundamentar esta proposição, vejo-me obrigado a examinar mais detidamente a relação entre o direito em sentido objetivo e o direito em sentido subjetivo ... essa relação consiste no fato de que o direito objetivo constitui pressuposto do direito subjetivo. Um direito concreto só pode constituir-se quando se achem presentes os pressupostos de que o direito abstrato deriva sua existência... o direito concreto não só recebe vida e energia do direito abstrato, mas também a ele as devolve. A essência do direito reside na sua realização prática. Uma norma jurídica que nunca tenha alcançado essa realização, ou que a tenha perdido, já não faz jus a esse nome... pode ser eliminada sem que disso resulte a menor alteração....”
Página 59
“A realização das normas de direito público depende da noção de dever de que se achem imbuídos os funcionários estatais; a do direito privado, da eficácia das motivações que levam o titular seu direito: o interesse e o sentimento de justiça. Quando essas motivações falham, quando o sentimento de justiça é frouxo e embotado, e o interesse não se revela bastante poderoso para superar a comodidade, a aversão à luta e o receio causado pelo processo, a consequência só poderá ser uma: a falta de aplicação da norma jurídica.”
“... Volto a invocar uma imagem de que já me vali: a de um único homem que foge da batalha. Quando mil homens lutam, ninguém notará o afastamento de um só. Mas se algumas centenas abandonarem suas posições, a posição dos que se mantêm fiéis tornar-se-á cada vez mais difícil, pois terão de suportar sozinhos todo o peso da luta.” 
“... Também no campo do direito privado há de ser travada uma luta do direito contra a injustiça, uma luta comum de que participa toda a nação e que exige a união indefectível de todos os indivíduos...”
Página 60
“... quem defende o direito subjetivo (o direito do indivíduo previsto em lei) defende, em seu âmbito, o direito em geral... Trata-se também de um real e eminentemente prático, sentido por todos, mesmo  aqueles que não tenham a menor compreensão pelo interesse ideal a que acabamos de aludir: é o interesse pela salvaguarda e manutenção de uma ordem permanente nas relações entre os indivíduos , que toca cada um de nós em determinado setor...”
Página 61
“ ... Quando o direito é expulso do lugar que lhe pertence, não devemos culpar a injustiça, mas o direito que com isso se conformou... não tolere injustiças... não pratiques injustiças....”
“... a qualquer um cabe o dever de defender os interesses comuns contra o inimigo externo ... A justiça e o direito não florescem mais num país pelo simples fato de o juiz estar pronto a julgar e a polícia sair à caça dos criminosos; cada qual tem de fornecer sua contribuição para que isso aconteça. A todos cabe o dever de esmagara cabeça da hidra ( um dos 12 trabalhos de Hércules) do arbítrio e do desrespeito à lei, sempre que esta sair da toca. Todo aquele que desfruta as bênçãos do direito deve contribuir para ( 62) manter a força e o prestígio da lei... todo homem é um combatente pelo direito, no interesse da sociedade.”
Página 62
“Neste ponto atingimos o pico culminante do ideal da luta pelo direito. Partindo do motivo vulgar do interesse, elevamo-nos à ideia da autoconservação moral da personalidade para chegar finalmente à concepção da participação de cada indivíduo na realização da ideia do direito para o bem da sociedade.”
Página 66
“É o ódio e a vingança que levam Shylock ingressar em juízo com o objetivo de cortar do corpo de Antônio a libra de carne que lhe pertence...”
A libra de carne que ora exijo
Foi comprada a bom preço,
E por isso eu a quero.
Que vossa lei se cubra de vergonha,
Se ma recusardes!
Pois então a lei de Veneza nenhuma força terá.
... invoco a lei
.... no título que ora exibo fundo minha pretensão.
Página 67
“... Shylock que se afasta vencido e humilhado, que é a figura típica do judeu da Idade Média, daquele pária social, que clama em vão pelo seu direito. A grande tragédia do seu destino não consiste na negação do seu direito, mas antes no fato de que ele, um judeu na Idade Média, está imbuído na fé no direito ... é uma fé inquebrantável, uma fé que nada neste mundo pode abalar, uma fé alimentada pelo próprio juiz – até que, com a fúria de um temporal, desaba: sobre a sua cabeça a catástrofe que o arranca do reino das ilusões e lhe traz à consciência o fato de que não passa de um judeu da Idade Média, um proscrito, cujo direito é defraudado no mesmo instante em que é reconhecido.”
Página 68
“A figura de Shylock evoca a de outro homem, não menos histórica e patética. É a de Michael Kohlhaas, que Heinrich von Kleist traçou com uma verossimilhança tocante na novela de igual nome. Shylock retira-se cabisbaixo, sua força está quebrada; sem resistência, submete-se ao veredicto do juiz. Com Michael Kohlhaas não acontece a mesma coisa. Esgotados todos os meios de fazer prevalecer seu direito, violentado da forma mais indigna, depois que um ato da mais monstruosa justiça de gabinete lhe trancou as vias de direito, depois que a justiça, até mesmo na figura do seu mais alto representante, o soberano, colocou-se francamente ao lado da injustiça, vê-se dominado por uma dor infinita, causada pelo atentado de que foi vítima. ‘Antes ser um cão do que um homem, se tenho de ser pisado.”
“ A decisão está tomada: Quem me recusa a proteção da lei empurra-me para os ermos em que habitamos selvagens, coloca nas minhas mãos a arma que há de me proteger.” Arranca a espada conspurcada das mãos de uma justiça covarde e brande-a de tal forma que espalha o terror por todos os campos do país...”
Página 69
“ Nenhuma injustiça praticada pelo homem, por mais grave que seja, aproxima-se, pelo menos para o senso moral não corrompido, daquela que a autoridade investida em suas funções pela graça de Deus comete ao violar o direito...”


IV
Em que o autor conclui o opúsculo ( pequeno livro): retoma todas as teses e reafirma-as. O direito é luta; a defesa do bem é também defesa da personalidade de seu proprietário, de que esta está impregnada. Direito subjetivo e objetivo estão intimamente ligados e se alimentam, a defesa do direito subjetivo é a defesa do direito objetivo e reflete em toda sociedade. Furtar-se à luta pelo que é de direito é decretar a morte do direito
V
O autor explica como o direito romano moderno reduz a luta pelo direito à luta movida pelo interesse monetário. Lamenta-se da concepção de legítima defesa praticada em seus dias. Vê na teoria da prova um entrave para a efetivação da defesa do direito.
Página 83
‘...durante o Império, o direito privado da República, que expressava a objetivação do sentimento de justiça enérgico e varonil dos homens da Roma Antiga, ainda pode servir por algum tempo como fonte refrescante e vivificadora; foi o oásis dos tempos posteriores, o único lugar em que ainda jorrava um manancial de água pura. Mas nenhuma forma de vida independente poderia resistir por muito tempo ao vento escaldante do despotismo...”  
Página 85
“Para resumir, direi que a característica específica da história e do conteúdo do direito romano moderno reside no predomínio ... da erudição... temos um direito estranho, numa língua estranha, introduzida pelos letrados  e acessível somente a estes em toda plenitude...”
Página 86
“... limito-me a indicar dois desvios da nossa jurisprudência...”
“ Um deles consiste no abandono completo, pela jurisprudência moderna, da ideia tão simples ... de que a lesão do direito põe em jogo não apenas um valor pecuniário, mas representa uma ofensa ao sentimento de justiça, que exige reparação. O padrão pelo qual se medem todas as coisas é exclusivamente o materialismo mis rasteiro e desolador, o do interesse...”

Página 89
“... A ideia de que não só no direito penal, mas também no direito privado, a balança de Temis deve pesar a injustiça e não apenas o dinheiro é tão estranha às concepções jurídicas atuais que, ao enuncia-la já antevejo uma objeção: é justamente nisso que consiste a diferença entre direito penal e direito privado. No direito dos nossos dias é assim; infelizmente, acrescento... até hoje ninguém provou que existe qualquer ramo do direito em que não possa ser admitida a realização da ideia de justiça m toda a sua plenitude. E a ideia da justiça acha-se indissoluvelmente ligada à efetivação da ideia d culpabilidade.”
(páginas 89,90) “Outro dos desvios verdadeiramente calamitosos da jurisprudência moderna a que aludi consiste na teoria probatória por ela elaborada... a teoria probatória moderna atinge seu grau máximo de insensatez nas ações de perdas e danos e nas querelas patrimoniais.”
Página 90
“refiro-me à atrofia vergonhosa do instituto da legítima defesa, um direito fundamental do homem que, segundo Cícero, constitui uma lei da natureza inata ao homem...”
“... Quase chegamos a acreditar que nos vemos em meio a uma associação de castrados morais. O homem que se defronta com um perigo ou uma ofensa à sua honra deve retirar-se, fugir. Logo, o direito deve abandonar a luta diante da injustiça... um pobre soldado que, atacado, bateu em retirada duas vezes, em obediência a esse preceito, mas da terceira vez, como seu inimigo continuasse a persegui-lo, resistiu e o matou, foi condenado à morte a fio de espada “para servir de lição edificante a si mesmo, e de escarmento aos demais.”
 Página 94
“...Sem luta não há direito, da mesma forma que sem trabalho não há propriedade. À frase “ no suor de seu rosto hás de comer o teu pão” contrapomos outra, não menos válida: “ Na luta hás de encontrar o teu direito”. No momento em que o direito renuncia à luta, ele renuncia a si mesmo. Também  ao direito aplicam-se estas palavras do poeta:


É esta a palavra final do sábio:
A vida e a liberdade, só a merece
Aquele que sem cessar tem de conquistá-la.

Página 95
Sobre o autor
“Rudolf von Ihering, jurista alemão, nasceu em Aurich, Frísia, em 22 de agosto de 1818, é morreu em Gottingen em 17 de setembro de 1892. Estudou direito em Heidelberg, Munique, Gottingen e Berlim, em cuja universidade se graduou, em 1843. Exerceu o magistério jurídico nas universidades de Basileia (1845), Rostock ( 1845), Kiel ( 1849), Giessem ( 1852) e Viena ( 1868) onde ensinou Direito Romano e foi agraciado com um título de nobreza, para finalmente, se transferir para Gottingen (1872). Seu renome como jurista, iguala ao de Frederick Karl von Savigny (1779- 1861) e Bernhard Windscheid (1817- 1892), consagrado como uma das maiores expressões da ciência jurídica do século XIX.   



Fichamento do livro A luta pelo direito 1ª parte

Fichamento do livro A luta pelo direito, de Rudolf Ihering
Aviso: este fichamento, embora possua as mesmas informações do fichamento entregue à professora, não possui o mesmo formato, pois o primeiro foi manuscrito, por causa das diferenças encontradas nas diferentes edições do livro por nós utilizadas, como numeração de páginas, vocabulário, foco narrativo e traduções. Só no momento da compilação das anotações dos participantes do grupo foi que nos demos conta de que seria inadequado montar o que seria uma colcha de retalhos e entregar para professora. Como solução do impasse, optamos por registrar, com base numa só edição as informações que cada dupla achou por bem destacar nas edições que leu.
Fichamento nada mais é que copiar os trechos importantes de um texto lido, indicando a respectiva página. Tal cópia permite que tenhamos à mão as informações importantes daquilo que foi lido, informações que posteriormente poderemos utilizar em trabalhos científicos. Fichar um livro é um ótimo meio de nos apropriarmos do conteúdo dele, sem contar que, se nos for pedido para ler o mesmo livro dez anos depois, por exemplo, não precisaremos fazê-lo, pois basta uma leitura rápida das anotações para que nossa memória ative nossos conhecimentos sobre ele.
Não chores, meu filho:
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos,
Só pode exaltar.
    (Gonçalves Dias, Canção do Tamoio)

IHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2007.


PREFACIO DO EDITOR
Em que o editor apresenta-nos o tema da obra, a pergunta que a gerou,  destaca seus pontos principais e cita dois grandes pensadores, cujas convicções coadunam com as do autor do livro: Clóvis Bevilaqua e Hegel.

Página 11
O editor abre seu prefácio com a tese do autor, presente no primeiro parágrafo da primeira parte do livro:
O fim do direito é a paz, o meio de que se serve para consegui-lo é a luta. Enquanto o mundo estiver sujeito às ameaças da injustiça – e isso perdurará enquanto o mundo for mundo-, ele não poderá prescindir da luta. A vida do direito é a luta: luta dos povos, dos governos, das classes sociais, dos indivíduos.”
“... em outra obra, Espírito do Direito Romano, Ihering resume claramente o que pretendeu nesta A luta pelo direito: “ Por mais elevadas que sejam as qualidades de um povo, se ele não tiver força moral, energia e perseverança, jamais o direito poderá prosperar.”
“Por qual direito se deve lutar¿ O individual¿ O coletivo¿ O que realmente justiça a luta por um direito¿”
“...Ihering exemplifica modelos de conduta, com os quais esclarece como cada pessoa reage frente às diversas agressões que  vida apresenta.”
11,12 “... do camponês que se sente profundamente afetado quando sofre qualquer ameaça no sentido de perder sua propriedade... pulsa muito mais forte em seu sangue esse sentimento em relação à propriedade, da qual depende e pela qual dedica toda a sua vida, do que qualquer outra agressão à sua honra ou dignidade pessoal. ”
Página 12
“... com um militar,... qualquer ofensa à sua honra provoca uma tempestuosa reação.”
“... sua atividade de jurista iniciou-se sob a influência ... da escola histórica de direito, fundada por Savigny, pra o qual o fenômeno jurídico era sobretudo uma criação cultural e orgânica do povo, e não apenas obra do legislador...”
“... depois de árduas e profundas pesquisas, Ihering procurou estruturar os fundamentos sociológicos do direito, apresentando-os como o resultado do conflito de interesses...”
“Ihering exerceu influência internacional, inclusive no Brasil, onde a chamada “escola de Recife” adotou várias teses da sua filosofia do direito.”
“... o renomado jurista e docente da Faculdade de Direito do Recife, o dr. Clóvis Bevilaqua... em 1909... expõe sua abalizada opinião: “... é um livro admirável, que fala à razão e ao sentimento, convencendo e comovendo; onde as ideias originais ... e as felizes dão ao pensamento a expressão que ele reclama; um livro feito de eloquência e saber...”
Página 13
do Dr. Clóvis Bevilaqua:
“... A luta pelo direito é um opúsculo imortal, porque revela uma verdade científica e incita as almas para a conquista de um nobre ideal de paz e de justiça.”
Página 14
“ ...tudo se delineia a partir da realidade cotidiana...”
“Ihering investiga as causas que fizeram de Roma a nação do direito, e encontra, como principal característica, o egoísmo; um egoísmo nobre porque não é o torpe egoísmo individual; um egoísmo que em rigor não o é, mas o sentimento da própria dignidade e justiça que se lhe deve, sentimento que em seguida se estende a toda a pátria e chega a fazer do direito do Estado uma religião.”
“Tinha sido o produto da vontade, da intenção e do trabalho, da luta pelo direito; o povo romano foi o resultado das transações que três povos vizinhos, mas irmãos, tiveram de fazer para poder suportar sua vida repleta de azares e perigos; ali começou a convenção ( o direito) sendo algum tanto reflexivo , imposto pela necessidade.”
Páginas 14 e 15
“O próprio Hegel reconhece, nas origens de Roma, esse caráter de convenção e de luta que tanto influiu em sua vocação definitiva; a necessidade impôs-lhe a luta por tarefa, a luta a fez aguerrida, deu-lhe vigor, com a coragem veio a energia da vontade, com esta, o gênio criador do direito.”

Página 15
“O direito público não nasceu em Roma de abstrações, mas foi uma expansão natural do direito natural do direito privado; a guerra impeliu a formar o exército; a instituição militar criou o Estado político...”
“...nunca desapareceu naquele direito público o sentido da realidade que em sua essência deve existir; sempre se acreditou na solidariedade dos interesses, dos direitos, sem recorrer a teorias abstratas e poéticas de patriotismo; aprendeu-se na tradição  e por experiência que todos eram do Estado, e o Estado, de todos... de todos os que tivessem assistido à sua criação lenta ou de futuro; conquistaram o direito de cidadãos com todas s prerrogativas.”
“Todos sabem a eficácia daqueles processos da plebe romana; tinham consciência de sua coragem, de que se tornavam precisos a Roma e tinham consciência da importância do que exigiam, porque ale se encarava o direito como ele é, como uma condição indispensável para a felicidade que se deve alcançar nesta vida.”
“... o romano sempre conhecia o bem que lhe trazia o defender a sua causa; essa consciência de seu valor dava-lhe muito alento para por ele combater.”
Páginas 15 e 16  “Um dia reclamavam terra para lavrar; outro, o perdão de dívidas contraídas por bem da República; outro, uma dignidade, um ofício público; outro, um código de leis para todos os iguais; e ora a monarquia era derrubada por um ataque à honra de um só romano.”
Compreendiam aqueles homens o direito, porque o possuíam em casa, porque Roma, o Estado, começava e acabava em Roma.”
“Lutava-se pela cidade como hoje se luta pela própria vida e pelo domicílio.”
“ O direito não estava nos livros, nem nas tábuas do edito somente.’
“Andava nas ruas, ao ar livre, movia-se, e via-se ir e vir da consulta ao foro, estava na praça e nos comícios...”
“leitura obrigatória para todos aqueles que lutam pela conquista de sua cidadania.”






Página 17
Prefácio
Rudolf von Ihering
Em que o autor nos diz qual a origem da obra (conferência em Viena); de sua principal fonte ( o Direito Romano); o objetivo dela (a promoção do sentimento de justiça) e responde a críticas sobre a sua opinião acerca do direito praticado em O mercador de Veneza). Também dedica a obra a uma mulher, cujo nome nos é desconhecido.


“Na primavera de 1872 proferi uma conferência na Sociedade Jurídica de Viena, que foi publicada no verão do mesmo ano, em versão bastante ampliada e adaptada a um círculo de leitores menos restrito, sob o título A luta pelo direito...”
O que tive em mente não foi a divulgação do conhecimento científico do direito, mas antes a promoção do estado de espírito em que este há de buscar a sua energia vital, e que é o que conduz à atuação firme e corajosa do sentimento de justiça.”
Página 18
Todo aquele que ao ver o seu direito torpemente desprezado e pisoteado, não sente em jogo apenas o objeto desse direito, mas também sua própria pessoa, aquele que numa situação dessas não se sente impelido a afirmar a si mesmo e ao seu bom direito, será um caso perdido, e não tenho o menor interesse em converter um indivíduo desse tipo...”
“.... A este tipo humano só posso aplicar as palavras de Kant: “ Quem se transforma num verme não pode se queixar de ser pisado aos pés dos outros.”
“... Kant designa essa atitude como “ o aviltamento  do direito do indivíduo aos pés dos outros, a violação de um dever do homem para consigo mesmo... dever de significar a parcela do homem em nós mesmos...”
“... Não permiti que vosso direito seja pisoteado impunemente...” (Kant)
É essa a ideia que desenvolvi no meu trabalho e se acha gravada nos corações dos indivíduos e das nações vigorosas...”
Página 19
“... na obra do Dr. A. Schmiedl, a Teoria da luta pelo direito no Judaísmo e no Cristianismo Antigo: “ Pouco há de importar aos teus olhos que o objeto do teu direito seja um centavo ou cem libras...”
“... A verdade é que não invoco a necessidade da luta pelo direito em todo e qualquer tempo, mas penas naqueles casos em que a agressão ao direito representa um desrespeito à pessoa humana. A transigência e o espírito de conciliação, a benevolência e a índole apaziguadora, a composição dos litígios e a renúncia à efetivação do direito encontram no meu trabalho o lugar que lhes compete. Insurjo-me tão-somente contra um tipo de passividade menos recomendável diante da agressão ao direito, que tem sua origem na covardia, no comodismo, na indolência.”
“... O que deve fazer o titular do direito menosprezado¿ Se alguém conseguir encontrar uma resposta a esta pergunta que divirja da minha, e que seja compatível com a manutenção da ordem jurídica e a dignidade da pessoa humana, dar-me-ei por vencido.”
19 e 20 “... Nas questões puramente científicas podemos contentar-nos com a refutação do erro, mesmo que não estejamos em condições de substituí-lo por uma verdade positiva. No entanto, quando nos movemos no terreno dos problemas práticos, onde a ação se impõe à plena evidência, e  única indagação cabível é a de como devemos proceder, não basta rechaçar como errôneo o procedimento indicado por outrem; necessário se torna substituí-lo por outro...”
Página 20 - responde a critica que recebeu devido a sua opinião sobre o direito praticado em O mercador de Veneza
“... Trata-se da minha afirmativa sobre a injustiça cometida contra Shylock.”
“... Não havia ninguém em Veneza que duvidasse da validade do título... todos concordavam em que o direito estava do lado do judeu.”
Página 21
“... Ao conferir a Schylock o direito de cortar uma libra de carne do corpo de Antônio, o juízo também lhe atribuiu o direito ao sangue que existe em toda a carne. E aquele que tem direito de cortar uma libra de carne também tem o direito de cortar menos, se assim o desejar. Uma e outra coisa é negada ao judeu: exige-se que só se apodere da carne de Antônio sem o sangue, e que corte exatamente uma libra, nem mis, nem menos. Será que cometi um erro ao dizer que o judeu foi defraudado no seu direito¿ É verdade que a fraude foi cometida por motivos humanitários. Mas deixará a injustiça de ser injustiça quando inspirada num móvel humanitário¿ e se ´que os fins justificam os meios, por que esse princípio não foi aplicado na própria sentença,mas só após ela¿”

Página 22
“... Afirmei que Schyloch foi lesado no seu direito por um golpe de astúcia. Mas deve o direito valer-se de recursos dessa espécie¿”
“O trabalho do professor Joseph Kohler, Shakespeare perante o Foro da jurisprudência segue um linha diferente. Segundo ele, a cena forense do mercador de Veneza encerra “ a quintessência do caráter e da formação do direito. Contém uma sabedoria jurídica mais profunda que  encerrada em 10 volumes das pandectas, e proporciona uma visão mais penetrante que todas as obras dobre as histórias do direito, de Savigny a Ihering....”

“...devo remeter o leitor ao trabalho desse autor ( J. Kohler) para instruir-se sobre “ a enorme profusão de ideias jurídicas que Shakespeare derramou por toda a peça. Da minha parte, prefiro não recomendar à juventude dedicada ao estudo do direito que frequente a escola da Pórcia para abeberar-se nas fontes do novo evengelho. Nem por isso, porém, deixo de render todas as homenagens à grande heroína da peça de Shakespeare. Seu pronunciamento representa “a vitória da consciência iluminada do direito sobre as trevas que até então envolviam o mundo jurídico. É uma vitória que se oculta detrás de uma motivação ilusória, que recorre ao disfarce da falsa                 22 e 23 fundamentação porque isso se torna necessário. Mas assim mesmo continua sendo uma vitória, uma vitória imensa e gloriosa; não fica restrita ao processo restritoem que foi emitido o pronunciamento,mas estende-se a toda a história do direito. É o sol do progresso, que mais uma vez lança seus raios acalentadores nas salas dos tribunais. É o reino de Zoroastro que triunfa sobre as forças das trevas.”

Página 23


“... Shakespeare atingiu seu ponto mais alto como historiador do direito. Shylock não é penas repelido, mas punido; só assim pode ser exaltada a vitória que abre uma estrada triunfal às nova ideia do direito”. Após isso, condena o judeu a tornar-se cristão. Também essa “imposição encerra um verdade histórica . Mesmo que seja condenável face às nossas concepções e infrinja  a liberdade de consciência , corresponde ao curso da história, na qual milhares de criaturas se viram tangidas para o campo de determinada confissão, não pela palavra suave do pregador, mas por meio do aceno ameaçador do verdugo...”

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Se cegos e surdos cumpridores da lei





Como ler "dinamicamente" um livro desses, preocupar-me em ler 250 palavras por minuto de um texto que só superficialmente mostra ser um registro realista da vida dos condenados a trabalhos forçados na Sibéria, homens de cabeças raspadas, cobertos por trapos, cuja sopa tem baratas, dias e dias sem banho e de 100 a 1500 varadas ou chibatadas pairando sobre as costas...

Não pretendo aqui resumir o livro, embora saiba que mesmo de posse do enredo, cada leitor acaba construindo suas próprias impressões do lido... Escrevo para exorcizar meu impasse em meio as minhas recentes descobertas sobre a leitura dinâmica. Interessei-me por este assunto porque ler para mim é como respirar, não poderia ficar sem. Ser assim me deixa ansiosa: há tanta coisa boa para ler e o tempo, para quem tem de trabalhar na educação Básica é tão escasso. ( Digo 'tem' porque as pedagogias, a falta de indignação entre meus pares, o desrespeito pelos docentes e discentes, o número crescente dos professores que caem adoentados física ou emocionalmente, dentre outros sem que nenhuma medida ou ao menos o enfrentamento do problema - só o que se faz é afastar, readaptar, contratar outro-, têm me deixado cada dia menos apaixonada pela profissão).
 A leitura então, é para mim um oásis, um tempo só meu, longe da modorra, é ação, é sempre outra possibilidade... Ter nas mãos e diante dos olhos obras de arte ( não é todo livro uma, mas quando se tem a sorte de encontrar...)
A verdade, digo, a minha verdade, é que diante de textos que funcionam como  um soco no estômago não dá para correr, a gente se ajoelha com as mãos no ventre e se ergue lentamente, à medida que o impacto vai passando.
Como somos capazes de tanta crueldade... Por que foram parar lá... e esses médicos tão passivos, não questionam as ordens, de que adianta curar costas para serem novamente fustigadas... Como puderam matar o pobre cachorro que tudo o que sabia era amar, para tirar sua pele... Então são esses os respeitados, os que caem de pé... Como podem viver tantos anos num ambiente tão asqueroso...
 Tanta coisa correndo no meu pensamento e no meu coração... os incisos do artigo quinto (Carta Magna)) que diz que no Brasil não haverá prisão perpétua nem trabalhos forçados vão ganhando nova grandeza. Tanta coisa correndo no meu pensamento e no meu coração, que me é impossível, correr com a leitura, contar quantas páginas faltantes para o final, parece-me ser um desrespeito por quem soube criar algo tão impactante.
 Da mesa pro sofá, do sofá pra cama, daí pro chão... umas paradas aqui e ali pra tomar fôlego, ou o sono que vem reclamar o seu tempo eu indo fazer um chá porque quero saber hoje e não amanhã como ficaram os que se atreveram a fugir da prisão! Recompor as emoções e os pensamentos. Chego à conclusão de que haverá textos que lerei de uma tacada, por serem didáticos ou informativos, tarefa e não fruição.  Porém, haverá aqueles por quem me dobrarei reverentemente e sorverei demoradamente suas palavras porque são Mestres, e se o são, é preciso que eu faça durar o tempo que nos foi concedido juntos.
São trezentas e dezesseis páginas ( Martin Claret) de puro mergulho numa realidade atroz que bem se sabe, não é ficção. Homens, mulheres e animais vítimas da violência de que somos capazes. Só a águia que não. Quer saber por quê... reserve um tempo para ler essa obra, não dá pra sair dela incólume, é amor e ódio certos, é admiração e perplexidade pura diante de tal capacidade criativa e  escritora. É boa literatura, profunda, ardida. Como por vezes a  vida.