quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Se cegos e surdos cumpridores da lei





Como ler "dinamicamente" um livro desses, preocupar-me em ler 250 palavras por minuto de um texto que só superficialmente mostra ser um registro realista da vida dos condenados a trabalhos forçados na Sibéria, homens de cabeças raspadas, cobertos por trapos, cuja sopa tem baratas, dias e dias sem banho e de 100 a 1500 varadas ou chibatadas pairando sobre as costas...

Não pretendo aqui resumir o livro, embora saiba que mesmo de posse do enredo, cada leitor acaba construindo suas próprias impressões do lido... Escrevo para exorcizar meu impasse em meio as minhas recentes descobertas sobre a leitura dinâmica. Interessei-me por este assunto porque ler para mim é como respirar, não poderia ficar sem. Ser assim me deixa ansiosa: há tanta coisa boa para ler e o tempo, para quem tem de trabalhar na educação Básica é tão escasso. ( Digo 'tem' porque as pedagogias, a falta de indignação entre meus pares, o desrespeito pelos docentes e discentes, o número crescente dos professores que caem adoentados física ou emocionalmente, dentre outros sem que nenhuma medida ou ao menos o enfrentamento do problema - só o que se faz é afastar, readaptar, contratar outro-, têm me deixado cada dia menos apaixonada pela profissão).
 A leitura então, é para mim um oásis, um tempo só meu, longe da modorra, é ação, é sempre outra possibilidade... Ter nas mãos e diante dos olhos obras de arte ( não é todo livro uma, mas quando se tem a sorte de encontrar...)
A verdade, digo, a minha verdade, é que diante de textos que funcionam como  um soco no estômago não dá para correr, a gente se ajoelha com as mãos no ventre e se ergue lentamente, à medida que o impacto vai passando.
Como somos capazes de tanta crueldade... Por que foram parar lá... e esses médicos tão passivos, não questionam as ordens, de que adianta curar costas para serem novamente fustigadas... Como puderam matar o pobre cachorro que tudo o que sabia era amar, para tirar sua pele... Então são esses os respeitados, os que caem de pé... Como podem viver tantos anos num ambiente tão asqueroso...
 Tanta coisa correndo no meu pensamento e no meu coração... os incisos do artigo quinto (Carta Magna)) que diz que no Brasil não haverá prisão perpétua nem trabalhos forçados vão ganhando nova grandeza. Tanta coisa correndo no meu pensamento e no meu coração, que me é impossível, correr com a leitura, contar quantas páginas faltantes para o final, parece-me ser um desrespeito por quem soube criar algo tão impactante.
 Da mesa pro sofá, do sofá pra cama, daí pro chão... umas paradas aqui e ali pra tomar fôlego, ou o sono que vem reclamar o seu tempo eu indo fazer um chá porque quero saber hoje e não amanhã como ficaram os que se atreveram a fugir da prisão! Recompor as emoções e os pensamentos. Chego à conclusão de que haverá textos que lerei de uma tacada, por serem didáticos ou informativos, tarefa e não fruição.  Porém, haverá aqueles por quem me dobrarei reverentemente e sorverei demoradamente suas palavras porque são Mestres, e se o são, é preciso que eu faça durar o tempo que nos foi concedido juntos.
São trezentas e dezesseis páginas ( Martin Claret) de puro mergulho numa realidade atroz que bem se sabe, não é ficção. Homens, mulheres e animais vítimas da violência de que somos capazes. Só a águia que não. Quer saber por quê... reserve um tempo para ler essa obra, não dá pra sair dela incólume, é amor e ódio certos, é admiração e perplexidade pura diante de tal capacidade criativa e  escritora. É boa literatura, profunda, ardida. Como por vezes a  vida.