sábado, 21 de dezembro de 2013

divina escrita







Por causa dele, fiquei 15 dias sem poder pegar livros na Mario de Andrade. Ele é grande, cheio de contos de deixar qualquer um com um friozinho na barriga. Passei do prazo... Suspense, surpresa, desfechos surpreendentes. Eu fiquei boquiaberta com a mestria dos escritores daquela época. Que domínio da escrita, meu Deus! Os contistas são, de modo geral europeus. Mas a gente sabe que os grandes narradores das Américas beberam desta fonte...
Mesmo aqueles que se dedicam a outros textos que não os narrativos deveriam ler este livro, pela aula de manejo da palavra que os mestres do horror dão. Dos contos que li, o que mais me chamou a atenção foi 'A mão do macaco'. Saí contando para minhas turmas. Os pequeninos perguntaram se aconteceu de verdade. Disse-lhes que só na imaginação... Apaguei a luz, usei lanterna, envolvi parte de um esqueleto num lenço azul ( um pé, só um garoto do nono ano percebeu). Diverti-me muito. É imperdível, recomendo.

o marca-página é do Paulinho Couto.

Da leitura de O cão de Baskerville












Que grata surpresa a leitura deste livro. É um mistério com uma pontada de medo, só na terceira parte do livro a gente descobre se o cão é um fantasma ou outra coisa. A escolha do autor ao narrar mais essa aventura de Holmes e Watson, um misto de romance epistolar, com diário, não quebra o ritmo da história, o que demonstra que o autor tinha pleno domínio da escrita.
Este é o segundo livro do detetive que leio, e  não vi a dedução tão evidenciada como em Um estudo em vermelho. em compensação, Holmes age não só mentalmente, mas também fisicamente, embrenha-se sozinho num pântano, porta uma arma ( e atira quando necessário), salva uma vítima da garras da morte.
Tal como em Um estudo em vermelho, o criminoso escapa de ser punido pela lei.
Por estes dias, estive lendo sobre a diminuição da maioridade penal, em debate no Brasil e por isso, não pude deixar de notar como os criminosos são vistos como pessoas de segunda categoria ( nesta aventura de Holmes, um fugitivo da prisão se refugia no Pântano e há diversas passagens no livro em que revela o senso comum em relação a esses: deseja-se a morte para ele, como pagamento por seus crimes e quando ele morre, fica claro como os outros personagens veem sua morte como algo menor ou mesmo necessário. Já os russos, pelo que li em Recordações da casa dos mortos- Dostoieviski-, são mais humanos, têm pena dos condenados, chegam a lhes dar esmolas, roupas. tenho comigo um livro do Dickens ( grandes esperanças) em que um criminoso também é um fugitivo. Pretendo retomar a leitura para ver se esse olhar sobre o criminoso é algo especifico dos personagens de Doyle ou um componente da cultura inglesa. Minha hipótese é que os ingleses são assim mesmo, cruéis. Pois se no passado enforcavam quem roubasse devido a fome...

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

aprender a ser com os livros

Como um romance de Daniel Pennac é um livro escrito por um professor que aprendeu a amar os livros com outros professores, a despeito da incapacidade da escola de manter o brilho natural que o texto literário possui. É fato que as práticas escolares esvaziam o texto de toda a sua magia e a capacidade de despertar nas crianças e jovens a curiosidade por ele. Tudo porque na escola ler se torna um dever, “Você tem que ler”, é a frase corrente entre professores da língua materna e dos pais, todos preocupados em fazer com que a infância e a juventude adquiram a bagagem cultural necessária ao sucesso neste mundo mais facilmente decifrável àquele que domina a linguagem escrita: saber ler é então fundamental para o desenvolvimento do cognitivo, do potencial criativo, da capacidade imaginativa e avaliativa( ou criticidade), da solução de problemas, para citar apenas alguns dos benefícios do contato íntimo, intenso e progressivo com a palavra escrita.
Mas todos esses argumentos não funcionam com a criança e o adolescente. Eles não estão preocupados com o futuro, o que os atrai na literatura é a capacidade que ela tem de fazer com que experienciem intensamente das emoções já conhecidas e outras insuspeitas a abrigadas em seus íntimos. Crianças e jovens são mais emocionais que racionais. Adoram histórias, gostam de se projetar para mundos outros, gostam de se identificar com personagens possuidores de poderes diversos daqueles presentes no cotidiano. Não é à-toa que admiram o parente ou professor que difere dos seres humanos comuns... No entanto, professores e escola esquecem-se desses fatos e insistem no “têm que ler” e ao escolherem livros que pouco têm a ver com as características e gostos infantojuvenis, ao estabelecerem trabalhos, provas, fichas de leitura, acabam por colherem muito poucos leitores apaixonados pelo livro.
Essa é uma das teses que o professor e escritor Daniel Pennac defende em seu livro Como um romance. E porque sabe que há nos professores uma certa aversão por textos áridos, carregados de carga teórica e fria, tão próprios aos textos científicos, optou por um estilo de escrita muito próximo ao do literário, o que lhe conferiu não só coerência como também sucesso ao tratar da didática da leitura de textos literários em sala de aula.
Começa relatando um evento corrente em todos os lares e escolas ocidentais: pais e professores que no início da infância e escolarização da criança leem para elas, mas que, mal essas começam a decifrar a palavra escrita, deixam-nos à própria sorte com o livros, esquecidos das dificuldades e da lentidão presentes no domínio das palavras, frase e períodos, que possuem graus de dificuldade de compreensão devido à grafia, sentidos, contextos, vocabulários entre outros. Quando o pai, mãe ou a professora liam, dava-se por encanto a magia, oriundos dos tons de voz, expressões faciais, gestos... Então como num passe de mágica, mal iniciada a leitura, as cortinas do imaginário infantil se abriam e na tela da mente era possível vivenciar o medo, a tensão, a alegria a vitória dos personagens preferidos. Mas depois de algum tempo, a hora da estória na escola ou em casa são substituídos pela hora da lição. E a leitura deixa de ser encanto para ser obrigação. “Lê pra mim?“ “Não você já sabe ler”. Depois de algumas tentativas, repletas de gaguejos e tropeços, seguidos de cansaço e frustração, o livro é deixado de lado.
Com o jovem é quase o mesmo, diz o autor. Ele tem que ler tantas páginas até o dia tal para a prova do dia tal. Ele se tranca no quarto para ler. O livro tem muitas páginas e nenhuma ilustração. “Tenho que ler” Horas depois, só umas poucas páginas lidas, vem com o cansaço a constatação: “Não vou conseguir ler tudo isso a tempo.”
Como superar esse problema? Como cativar novos leitores? Para Daniel, é simples: basta ler para eles, não importa se criança ou jovens, ler para eles em voz alta, até que curiosos para saber quais os próximos eventos da trama peguem no livro e se enveredem por suas páginas, caminhem entre os livros sozinhos.
Para Daniel, a leitura é uma prática social que não se dá pela obrigação, mas pela necessidade, gosto ou curiosidade. E inseri-la na vida dos infantes e jovens por vieses que não esses é o mesmo que inviabilizar o surgimento de novos leitores. Sendo assim, a escolha do título a ser lido para eles é de vital importância. Escolher a dedo o que será lido, para que queiram o livro como quem quer água quando com sede. Acha isso impossível? Títulos como A bruxa Salomé, O Mago, o Horrível e o livro de feitiçaria, O Menino Maluquinho (para crianças), para citar apenas alguns ou Os pequenos guardiões, A hora da vingança, os diários, Comédias para se ler na escola (para jovens), costumam agradar em cheio.
Oferecer um livro ou a leitura dele como quem oferece um prato especial num almoço ou jantar de uma data especial a um candidato ilustre, essa a proposta de Como um romance. Mas numa escola projetada para as massas, que não considera a diversidade e a individualidade de cada ser que recebe, e que muitas vezes faz o mesmo com seus profissionais, é quase uma missão impossível. Só uns poucos bravos, a despeito de toda a engrenagem, cumprem-na.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

As lições de um Líder

Acabo de saber que o Mestre Mandela se foi. Um amigo, com quem passei todo o dia de hoje me telefonou pra dar a notícia, comovido. Eu lhe disse:" Tenho certeza de que ele está sendo recebido nos céus pelos anjos, sob muitas salvas de palmas."

Esta convicção, eu a construí após assistir a Invictus. Já tinha lido um artigo escrito pelo professor e juiz Willian Douglas, em que, com incontido entusiasmo, exortava-nos a ver o filme. Guardei na memória o convite e, num sábado à noite, quando procurava nos canais da tevê paga algo interessante, eis que me deparo com o referido filme, no Space. Eu, que nutria na época uma profunda decepção com as lideranças com quem trabalho, com sua opção por gerenciar problemas em vez de enfrentá-los com vistas a solucioná-los, com sua anuência em atuar sem a devida e necessária busca da formação permanente capaz de forjá-los em líderes que os liderados e os que assistem merecem por direito e por lei, fiquei simplesmente encantada com o modo como este homem atuou. Sua visão estratégica, sua opção pelo bem comum e pelo não confronto, sua sabedoria em servir, em saber identificar seus parceiros em potencial, sua coragem, sua capacidade em se manter focado, seu bom humor e generosidade, tendo sempre os seus princípios como norte... Anotei em minha agenda e sempre leio, para não me esquecer, o trecho de um poema que o acompanhou nos anos em que esteve preso: "Eu sou o senhor do meu destino.... Eu sou o capitão...."

Ele tinha um espírito livre e que me perdoem os céticos, considero-o um iluminado, uma pessoa especial, enviada pelos céus para conduzir a nau África do Sul, um líder que se forjou no sofrimento e na adversidade e que soube tocar e formar tantos outros líderes; que fez de uma nação a sua família.

Morreu velhinho, o corpo cansado, a alma foi leve. Que dádiva ter tido uma história como a dele, que não viveu mediocremente, que alçou altos voos porque dono de grandes ideais. Vá com os anjos, Mestre. Deixe um pouco da sua sabedoria e desprendimento com os que julgar merecedores.

 

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Uma grata surpresa

Foi como um soco no estômago. Ao término do capítulo em que seus professores queimam seu cavalinho de pau por terem encontrado piolhos na "crina" do seu Charlie eu me perguntei: Por que nós professores somos tão perversos? Por que nos é tão difícil lidar com as diferenças? Por que insistimos em esperar dos estudantes os mesmos comportamentos? A narrativa é ambientada numa cidade da Dinamarca e por isso, a universalidade dos comportamentos dos professores foi o que mais me impactou , bem como a constatação de que no caso de Buster - e de quantos mais ?-, os que praticam bullying contra ele não são seus colegas de escola. São justamente os que deveriam prepará-lo para a vida.

Fazia tempo que um infantojuvenil não mexia tanto comigo. Lê-lo foi uma experiência que foi adquirindo várias tonalidades, isso no decorrer de uma manhã, que foi o tempo que levei para me apropriar da sua história. As palavras apropriar e história com h foram propositais: valer-me da palavra devorar seria um ato de violência contra essa narrativa tão sensível, muito próxima de O pequeno príncipe e O aprendizado de Pequena Árvore. História porque Buster é muito real, há uma porção deles em cada uma das escolas que pululam no planeta...

Buster é um menino muito diferente, ele sente, vê e interage com a realidade de um jeito muito seu, muito diverso de todos os demais que o rodeiam e daí surgem os problemas. Não quero dissecar o livro porque compactuo com o autor de Os livros e os dias: isso de ir contando todo o livro estraga a surpresa. Deixo que cada leitor descubra a sua história ao ler este livro.

Aconselho-o a todo professor. Eu não dava muito por ele, acreditei que seria apenas mais um livro para os jovens e só o elenquei como meta porque algumas crianças da escola em que leciono o receberam no ano passado - Programa Minha BIblioteca- e eu queria saber o que andam lendo. Foi uma grata surpresa. Se eu fosse coordenadora de escola eu faria com que fosse lido nas aulas, nas reuniões coletivas dos professores e mesmo na dos pais. Como não sou fica a dica. Imprescindível. Um livro assim eu gostaria de ter escrito

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Ele é divertido e inteligente

Que relação pode haver entre um infantojuvenil sobre trolls e um conto de Kafka? Você que me lê pode achar pouco provável, já que os contos dele costumam ser densos,tão naturalmente capazes de revelar nossas feridas ou inquietações mais insuspeitas, incrustadas lá no fundo dos nossos subconscientes, que vez por outra fisga sem que a gente saiba nomear a dor( essa ojeriza pelo que nos difere).Impossível continuar impassível depois da leitura de qualquer um dos seus textos, mesmo os mais pequeninos contos, que me soam fantásticos não por descortinar o natural em nossas vidas, mas as forças internas e externas quanto às quais, na maioria das vezes,nada podemos, e que invariavelmente nos põem a perder.

Trolls na vizinhança é permeado por um humor leve e irônico, que resulta justamente da naturalidade com que os comportamentos dos personagens são descritos. Uma família de trolls sofre horrores ao tentar se adaptar à civilidade: morar em casas, vestir roupas, comer comida enlatada, comprar em supermercados, frequentar escola,não poder urrar no metrô, ter que habitar em local livre de cheiros e lama... o garoto parece ser o que mais sofre, na escola.Há a inversão dos papéis - os trolls é que são as vítimas, embora os humanos se vejam o tempo todo ou incomodados ou ameaçados pela sua presença em nada ofensiva, a não ser pelos seus hábitos e aparência. Esse enredo não o faz lembrar da situação dos imigrantes nos países da zona do euro? Poi é... foi esta temática que me avivou na mente o Comunidade, conto kafkaniano no qual um estranho faz de tudo para ser aceito num grupo de cinco companheiros, sem sucesso.

Trolls na vizinhança, publicado pela Farol ( grupo DCL)e escrito por Alan MacDonald terá final diverso do que estamos acostumados a ver nas páginas da História e do conto de Kafka? Você terá de ler para descobrir. Ideal para crianças a partir dos 9,10 anos, que costumam fugir de livros de mais de 124 páginas, mas que, se tiverem pais ou mestres interessados em iniciá-los na aventura da leitura de textos inteligentes terão uma rica experiência.

O título, se traduzido do original, seria Trolls, vão para casa! O que já daria uma ideia de como estes seriam recebidos. O título da edição brasileira é ambiguo e acho que perde um pouco da força... Fiquei desapontada por não encontrar nem uma nota breve sobre o autor e confesso tê-lo confundido com outro escritor de mesmo sobrenome. Quem é ele, onde vive, por que escreve, como surgiu a ideia da escrita do livro( que sei fazer parte de uma série, vi um outro chamado Torta de bode nas sacolinhas Minha Biblioteca, distribuídas para os estudantes do ensino fundamental). Acho interessante saber um pouco que seja sobre a pessoa por trás do livro. Terei de pesquisar na internet. Mesmo aqui, no Skoob, não vi resenhas dele,o que é uma pena.

Escrever, para quê?


Eu prefiro ler a escrever. Tão mais fácil pegar um livro que me aguçou a curiosidade, escolher um cantinho do sofá ou o aconchego da cama, enquanto espero na fila ou estou no metrô. Não importa onde, mergulhar na narrativa, sair da aridez que tem sido a minha, escrita assim sem plano certo, prenhe de indecisões e perdas.

 Uma página,  posso ler em dois minutos, já escrever uma...

 Se não escrevo,  esvai-se o tempo sem que eu tenha me demorado a pensar o lido, sem que eu tenha me impregnado  do mundo em que mergulhei. Nada de quicar deste para aquele livro, acumulando leituras como quem acumula milhas ao comprar com cartão de crédito. A qualidade da leitura não se resume ao título ou autor escolhido, mas também em como foi feita e o que se fará dela.

Escrever. Porque é um desafio do qual vivo fugindo. Escrever. Porque me obriga a pensar nas palavras e em como estas se organizam num texto.  Porque escrever é arte, é silêncio, é meditação. Quando escrevo, nada mais importa a não ser o que escrevo. Quem escreve dá à luz muitos filhos.

Quero escrever, porque se o faço depuro pensamentos e sentidos. Dá trabalho: escreve, apaga, escreve apaga. Assim está bom, isso não, que já tenho escrito no outro parágrafo... cadê o tempo, como começo, sobre o que falarei, como organizarei  as ideias e esse teclado, meu Deus, que faço com esta ¿ de cabeça para baixo... por hoje escreverei sem. Escrever até que me seja tão fácil e fluido quanto respirar. Escrever, porque preciso fazer correr as águas antes que apodreçam. Escrever para provocar novas sinapses.  Escrevo, ocupo a mente, deixo de alimentar as nuvens negras que teimam em querer pairar sobre mim.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Da arte de dissecar a vida

Para que vivemos? Para trabalhar por trinta, quarenta anos? Alimentar a economia, contribuir para a riqueza da nação?  Para criar os filhos? Terminar o mestrado? Casar? Pagar o apartamento? O que nos move?

O agente número cinco em O legado Bourne perguntou à doutora paralisada de medo: Você quer viver? Foi preciso que ele repetisse a pergunta para que a moça se refizesse, e por todo o restante do filme tudo o que fizeram foi no intuito de permanecerem vivos. Em nenhum momento conversaram sobre os planos para quando o perigo não fosse mais uma constante, nada de sonhos,  de expectativas. Sobreviver foi tudo o que almejaram, tudo o que buscaram. Vi o filme e terminei a releitura de Vidas Secas no mesmo dia. E porque o sentido da vida me pareceu ser o tema da vez - provavelmente porque eu esteja me perguntando sobre a razão de estar aqui - , busquei a resposta a esta indagação enquanto diante do filme e do livro.
O agente número cinco e Fabiano guardam muito em comum, são heróis que passam por diversas situações limites, estão acompanhados de mulheres cuja fragilidade é apenas aparente, são fortes. Mas, se o medo faz de Fabiano um homem medroso, calado, quase que todo o tempo curvado e obediente aos que personificam o Estado, o agente, por outro lado, não deve obediência a ninguém, tampouco demonstra medo. Sua força física e inteligência é produto da ciência ( pílulas azuis e verdes). Sua agilidade e coragem são produtos também das experiências bem sucedidas que viveu. Ele confia em si, sabe que é capaz, por isso não teme o fracasso. Já Fabiano recua e recua e recua. Só no final da narrativa é que se rebela e, na companhia de Sinhá Vitória, ousa sonhar.
Havia tanto medo em Fabiano e foram tantas as vezes em que se mostrou fraco, pessimista, e acomodado que tive raiva dele. Pobre dessa mulher e dessas crianças, eu pensava. Acostumada a heróis que se caem, fazem-no lutando, foi difícil seguir acompanhando esse homem tão sofrido, de roupa branca remendada, que só quando bebia tinha coragem de se indignar em voz alta. Pobre desse  homem que não sabe da influência do El Nino, dos ventos e da temperatura dos oceanos sobre o clima e as chuvas e que olha para o céu limpo na esperança de que um milagre traga as águas que o impedirão de ir embora.
E no entanto, a falta de chuvas foi o que de melhor poderia ter-lhe acontecido. Para que continuar numa terra esquecida, humilhado por militares ignorantes, sendo roubado pelo patrão?
Medo de ir, tendo que ir. Para que continuar neste cemitério, ele se perguntou minutos antes de deixar o sítio em que vivia com a família.
A secura a que remete o título do livro não é capaz de dessecar Fabiano. Há algo a fluir nele e é esse fluído que o mantém humano. É preciso possuir uma certa dose de humanidade para ser capaz de se questionar sobre o sacrifício  da cachorra, para considerá-la da família. Não se pode negar  a presença de dignidade nesse homem que lastima a morte do cavalo entregue à seca, cavalo que não leva consigo porque não lhe pertence. Fabiano é um personagem ético. É preciso uma generosa para deixar passar a oportunidade de matar quem o humilhara.
quantos homens, depois de anos de casamento são capazes de ver beleza na esposa? Fabiano olha para as pernas da mulher, para seus quadris, orgulha-se da sua inteligência.

Esse sertanejo é um homem que pensa, que se encanta. e aí reside a sua força. Não se enganem quem acredite que por que não teve educação secular está fadado ao sofrimento. Ele admira o saber, e o almeja para os filhos. Fabiano sonha e  enquanto houver quem sonhe, a vida terá sentido.

Despedi-me de meus heróis, uns avançando esperançosos pela caatinga, outros deslizando por águas tranquilas.  Todos com uma vida pela frente. Bela vista.

O sentido da vida somos nós quem damos. E parece-me que ao longo da existência, são vários os sentidos que atribuímos à ela.