Demorou esta carta para chegar, não é? Ficou
esperando muito tempo? Hoje fui visitar a uma amiga de décadas. Ela me ensinou
um ponto de bordado, a mim, que só sei ler, escrever e ensinar! Achei bem
interessante.
Eu pus asas na carta de ontem, para que
você não tenha dúvidas sobre a quem elas são endereçadas. Receba com carinho
cada uma.
Não costumo falar sobre o porquê de eu ser
católica. Até porque as pessoas não perguntam. Eu vejo uma interrogação bem
grande estampada no rosto daqueles que acabo de conhecer, quando comento que
irei à missa, ou quando apareço com uma camiseta com alguma conotação cristã.
Eu entendo. Tenho um amigo que não se preocupa em disfarçar seu desprezo, desde
a sua indignação com os cristãos quando assistimos a Hipátia ou quando ele
assistiu ao filme Lutero na faculdade.
Tão tolinho, eu pensava, nessas ocasiões, ele não teve aulas decentes de História.
A coisa foi beeeeem pior.
Já
confesso a você que me envergonho pelo menos uma vez por
semana com o passado das religiões, com sua capacidade para matar, roubar,
mentir, corromper, iludir, destruir, tudo e sempre em nome de Deus. Mas então
me lembro que esse comportamento pertence a todas as instituições humanas.
Aponte uma organização humana que não tenha incorrido nessas atrocidades. Não
posso culpar ao Ser Supremo pela corrupção dos seus filhos, não posso confundir
Deus com as Igrejas, ou a religiões. Deus é o Supremo Bem, a Suprema Beleza, a
Suprema Perfeição, o Supremo Amor. As Igrejas e as religiões são manifestações
humanas e como tais, imperfeitas. Não são Ele, embora se acreditem donas Dele..
Eu
não sou uma católica desde o berço. Aconteceu de eu encontrar uma paz profunda,
que me aquietou a dor e a solidão que se abateram sobre mim quando minha mãe
morreu.
Ela
foi o ser que mais me amou, o amor dela por mim transpirava por seu poros.
Tínhamos as nossas divergências, mas nosso amor, cuidado, proteção e confiança uma
pela outra eram uma certeza que compartilhávamos. Éramos como os Mosqueteiros:
um por todos e todos por um. Eu tinha orgulho dela e ela tinha orgulho de mim.
Eu não sei se você já viveu isso, sair para o
mundo cheio de coragem e entusiasmo, alimentado pela presença e apoio e amor
que tudo suporta e tudo perdoa. Pode ser do pai, da mãe, da avó, avô, irmão, da
amada, do amado, dos filhos. Não importa. Saber-se amado e apoiado é como o ar
que se respira.
Perder esse amor, e que me perdoem os estoicos
com aquele papo de que não devemos nos apegar, de que devemos nos preparar para
o pior, que tudo é perecível e que já sabendo disso, e já sabendo que aquele a
quem amo morrerá, que eu o abrace hoje sabendo que este abraço pode ser o
último... é muito nobre escrever isso, é muito lúcido nos prepararmos para isso
e ver a morte como uma passagem, ou seja, continuaremos a pertencer ao Universo...
, esse conhecimento pode até amenizar, mas não tem como não sentir a falta, o
vazio daqueles que nos amam e que amamos. A vida é partilha e se não se há com
quem partilhar...
Não me parece apego querer continuar sendo
amado, pois o amor é o que nos move: por alguém, por uma causa, um trabalho, um
lazer, um ideal. Sem esse combustível, por que levantar-se da cama todos os
dias?
Conheço
mães e pais que aguentam o diabo em seus empregos, nos transportes e até com o
companheiro ou companheira, pelos filhos, para que eles tenham o que precisam.
Eles tiram forças deste amor, desta vontade de ver bem os filhos.
Pois
bem. Sem o amor e a presença de minha mãe eu me vi em queda livre. O que ainda
me sustentava era o amor que tenho pelo meu irmão e pelas crianças e
adolescentes para quem trabalho. E também pelos livros, os bichos de estima.
Então fui ao batizado do amigo do meu irmão e
sentada no banco de madeira, ouvindo os cânticos, as leituras bíblicas e o
discurso do padre, eu encontrei a paz, um sopro passou por mim e me acalmou
de tudo.
Encontrei
Deus naquele momento, o que habita em mim. Mas também encontrei a Divina
Presença de cada um que estava lá. Ela era toda sorriso, pegou na minha mão e
me disse: “Eu estou aqui, nunca, nunca te deixarei. Eu te amo, minha querida.”
O
que você faria se, entrando num local, descobrisse lá Alguém que mexe com você
de um jeito que o deixasse nas nuvens, um ser por quem você se enamorasse?
Você
voltaria lá, não é verdade? Na esperança de que esse Ser o notasse e melhor,
que sentisse o mesmo... A cada vez que você voltasse, já no caminho o seu
coração acelerado só de pensar na possibilidade de ser o objeto de amor desse
Ser ... Quem é que pode explicar isso?
Eu
sinto isso quando vou às missas. Lá eu encontro o amor que habita em mim e ao
meu redor, que se manifesta se eu presto atenção. Ela
vem e me abraça, um abraço terno e leve. Eu tenho insights quando estou lá,
meus medos e preocupações, mágoa ou raiva, tudo se aquieta se diante da Divina
Presença.
Estou
apaixonada por Ela, não tem como não ir atrás. Há outros locais nos quais Ela
gosta de ficar: florestas, montanhas, cachoeiras, praias. Eu A encontro numa
árvore coberta de flores, ou quando dou de cara com um beija-flor flertando com
uma flor, as risadas das crianças, um gesto de generosidade entre desconhecidos,
um casal de braço dado, um adolescente dançando, um pai pegando com cuidado o
filho bem pequeno no colo, um elogio inesperado e gratuito...
Deixo-o
agora envolvido neste mesmo Amor que tudo suplanta, tudo cura, Aproveita cada
gotinha da presença Dela.